sábado, 26 de julho de 2008

Orides Fontela

Pessoas,


Um achado! É só que posso dizer hoje da poesia de Orides Fontela. Não que a tenha conhecido agora, nessa altura. Há muito tenho o seu conhecimento. O que achei (re-descobri) foi a sua poesia. Delicada, sutil, sensorial, vívida, táctil, são todos adjetivos que se pode atribuir a sua obra, que acabo de devorar, numa bela e bem cuidada edição da Cosac & Naify. Mas é, sobretudo, uma poesia extremamente simples a que brota do centro do coração dessa mulher, falecidade em 1998 e que, ao contrário de sua obra, teve uma vida difícil. Beirando a indigência, Orides parece ter querido, depois do seu segundo livro, "Helianto" (1973) se isolar do mundo, deixando o emprego de bibliotecária, a família e os amigos, e se enclausurando num minúsculo apartamento em Campinas, de onde saía pouco e onde vivia em condições absolutamente precárias, contando com o apoio de alguns poucos que ainda mantinham com ela algum tipo de contato, como é o caso do poeta Augusto Massi. Morreu misérável e desconhecida do grande público.

Mas, como disse, a obra é maior que ela. Quero dizer, a obra ultrapassa a vida cruel dessa mulher e nos chega com uma limpidez impressionante. Atinge-nos em sua plenitude e em sua verdade. Verdadeira porque feita com palavras, as mais simples. Tendo como ponto de referência a fenomenologia husserliana, seus texto representam um articulado diágolo entre o mundo (e seu mistério) e a experiência humana (e sua intensidade). São momentos de rara beleza e encantamento, como o que se pode encontrar em "Pedra": "A pedra é transparente / o silêncio se vê / em sua densidade. / (...) / O verbo é transparente: / o silêncio o contém / em pura eternidade". Trata-se, pois, da decifração do fenômeno, da beleza contida e aparentemente oculta na natureza das coisas ("pedra"), mas que se revela através das palavras, claramente ("o verbo é transparente"). Mas, que ninguém se engane: apenas lapidando-as é que se deixam compreender, as palavras. Tirar o verbo claro da pebra bruta: eis o triunfo de Oride. E deixar que digam o indizível, como toda a grande poesia diz. Como a contida neste texto:



POEMA


Saber de cor o silêncio
diamente e/ou espelho
o silêncio além
do branco.


Saber seu peso
seu signo
- habitar sua estrela
impiedosa.


Saber seu centro: vazio
esplendor além
da vida
e vida além
da memória.


Saber de cor o silêncio.


- e profaná-lo, dissolvê-lo
em palavras.



(in "Alba", 1983)



Salve, pois, Orides Fontela, ourives da palavra, grande poeta!



Do Jorge.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

O queijo e os vermes

Pessoas,



Sumi... ando trabalhando muito... lendo muito também, sempre. Nos intervalos entre as aulas, na sala dos professores, na fila do banco, no carro (só não digo que leio nos engarrafamentos porque aqui em São Mateus não os temos, ainda), na casa dos amigos, na cama... Por esses dias, ando lendo Carlo Ginzburg, um historiador italiano bastante conhecido. Ao menos, pelos historiadores e professores de História. O livro é o já clássico "O queijo e os vermes", do qual conhecia passagens estudadas nas aulas de História Medieval, na faculdade. Eis que me caiu outro dia às mãos o exemplar do livro, que a Companhia das Letras publicou na década de 90.

"O queijo e os vermes" parte da investigação dos autos do processo que um certo Menocchio, moleiro de Montereale, no Friuli, região italiana, teve de responder ante o Tribunal do Santo Ofício em fins do século XVI, acusado de heresia. Narrada com extremo detalhismo, o história nos leva a um mergulho na sociedade pós-medieval e ao centro dos confrontos religiosos entre as forças protestantes e o catolicismo, mas sobretudo àqueles que, sem professar uma ou outra tendência, produziam livres-interpretações da fé, como é o caso de Menocchio, que é visto como herege por dizer que "Deus é o ar, o mar, a terra e o vento". Renega os sacramentos e dogmas católicos e apregoa um cristinismo puro, livre da opulência e da "mercadologia" da fé difundida pela Igreja Católica ao longo dos tempos.

O texto de Ginzburg, filiado aos preceitos teóricos da novelle histoire, é luminoso e cativante, já que a partir do específico, analisa hábitos e dinâmicas sociais do período de transição entre o Feudalismo e a Modernidade. Sem pedantismo ou tecnicismo, hermetismos ou futilidades. É como diz Renato Janine Ribeiro, na orelha do livro, trata-se de um texto tanto para especialistas, como para o leitor comum. Pode ser, portanto, tanto um livro técnico, quanto um texto narrativo (não ouso dizer literário, contudo) da melhor qualidade.



Do Jorge.