sábado, 17 de julho de 2010

Leituras semanais II


Olá!



Terminei anteontem de ler "O esqueleto na lagoa verde", mas como estava na casa dos meus pais, acabei não postando minhas impressões sobre o livro. O que posso dizer? Uma leitura interessante, magnética e que envereda por outros caminhos que não o apenas o destino do coronel Percy Fawcett.


Longe de elucidar (ou tentar elucidar) o mistério que cerca o desaparecimento do aventureiro inglês, o livro discute, por um lado, o sonho do El-dourado brasileiro, plantado no imaginário popular desde que, em 1753, um bandeirante paulista diz ter encontrado um cidade fantástica e reluzente no coração do Brasil. Por outro lado, procura também discutir a questão indígena, apontando, inclusive, soluções para a sobrevivência do índio e de sua cultura, como, por exemplo, a criação de um parque onde as etnias restantes pudessem ter uma nova chance - e, vejam, o livro é de 1952, o que torna profética a idéia de Callado, já que, em fins dos anos 60, e por iniciativa dos irmãos Villas-Boas, é criado o Parque Nacional do Xingu!


Quanto ao coronel Fawcett? Tudo ainda é mistério, quase cem anos depois. O livro não o elucida, como disse, mas lança um pouco de luz sobre a personalidade tenaz desse inglês que, a despeito dos perigos, embreenhou-se na selva amazônica em busca da "cidade dourada". Antônio Callado, apoiando-se em relatos do filho de Fawcett, Brian, em livros - como o do inglês Dyott, que refez a viagem de Fawcett - e nas entrevistas realizadas em 1952 com os índios Calapalo - que conviveram com Fawcett e que, muito provavelmente, o mataram -, procura humanizar o aventureiro, mostrando que, muito além de desejar riqueza e fama, o que o movia era a aventura.
Foi por ela que ele empreendeu, em 1925, a viagem expedicionária à Serra do Roncador. Viagem da qual nunca voltou, mas que acabou por imortalizar sua aventura, que foi dar em personagens como o intrépido Indiana Jones, por exemplo.
Do Jorge.
P.S.: A foto acima mostra Fawcett e Raleigh Himmel, amigo de seu filho Jack. Juntos, os três partiram para selva em 1925, de onde nunca regressaram.



terça-feira, 13 de julho de 2010

Leituras semanais


Olá!



Acabei de ler 0 romance "Uma história de família", do Silviano Santiago. Belo livro, curto e cerebral, como é a ficção do Santiago. Dele, também comprei "Heranças", que está aqui sobre mesa esperando a vez. Como também estão "A caverna" e "Todos os nomes", do Saramago, "O relógio Belisário", do José J. Veiga, "O livros dos sonhos", do Borges... tantas leituras. No entanto, acabei dando prioridade a outro livro nesse esse meio de semana: "O esqueleto na lago verde".

Um livro de não-ficção, digo logo. Trata-se de uma enorme reportagem do então repórter especial do Jornal do Brasil, Antonio Callado (que veio, como sabem, a se tornar um dos nossos maiores ficcionistas), sobre o desaparecimento do explorador inglês Percy Fawcett no Alto Xingu, ocorrido em 1925, em plena floresta amazônica, quando este buscava vestígios de uma cidade perdida que julgava se encontrar naquelas paragens. Callado refez a viagem do explorador em 1952, da qual resultou este livro extraordinário (e olha que estou nas primeiras páginas). Mas é daquelas leituras magnéticas, posso dizer, daquelas que não dá para largar o livro.

Só o início já diz muito:




"Inocência também pega. Logo que a gente chega ao Posto Culuene, da Fundação Brasil Central, o choque demasiado bruto paralisa o raciocínio. A gente só sabe que saiu da cidade de São Paulo, num aparelho monomotor, umas sete horas antes: como é possível que agora, à beira daquele rio, homens e mulheres estranhos, mongoloides, inteiramente nus, cerquem o avião?


Mas inocência pega. Ao cabo de duas horas não estamos mais empenhados em fingir que não reparamos na nudez dos índios. Passamos, ao contrário, a encará-la com naturalidade. E a vitória foi puramente da inocência deles, da candura e falta de malícia deles. De toda a nossa indumentária — das botas ao chapéu — os índios e as índias só prezam uma coisa: a camisa, que protege dos mosquitos. Tudo mais que usamos é, portanto, incompreensível para eles. Mas dizendo “incompreensível” dizemos mal. Por que haveriam eles de tentar compreender a razão de andarmos com
tantos panos em cima da pele? Acaso perguntam ao poraquê por que dá choques ou à onça por que tem pelo? O que não lhes ocorrerá jamais é que tenhamos motivos psicológicos para usar roupa, ou que, por termos começado um dia a usar roupa, não a possamos mais abandonar por motivos psicológicos.

O índio (a menos que já tenha sido civilizado) não faz perguntas embaraçosas pelo simples fato de não conhecer o embaraço. É uma criança. Ainda vive aquém do Bem e do Mal."

(p.13-14)



Escrevo mais quando terminar.



Do Jorge.



Oração ao tempo


Olá!



Certas canções. Certas canções pegam a gente de jeito, como se pelo braço, e nos obrigam a parar e ouvi-las com atenção. Com os cinco sentidos alertas, captando-as. Foi assim, hoje de manhã, quando coloquei na vitrola o cd da Rita Ribeiro, "Tecnomacumba". É um disco de muita batida (e eis que agora lembro que hoje é dia do Rock), mas há uma canção que destoa. Ou melhor, que sobrevoa o disco: "Oração ao tempo", do Caetano. Mil e uma gravações dela existem, eu sei, mas a da Rita... A da Rita ficou pairando pela casa, parou o tempo em mim. A letra é, talvez, uma das mais belas homenagens-reflexões ao tempo. E voz dela, com o arranjo de Israel Dantas, é de fazer chorar. Eu, ao menos, chorei. Chorei pensando, como diz Caetano, que o tempo é mesmo um dos "deuses mais lindos".



ORAÇÃO AO TEMPO


És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...


Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...


Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...


Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...


Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...


De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...


O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e migo
Tempo tempo tempo tempo...


E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...




Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...



Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...
(Caetano Veloso, 1979)





Do Jorge.
P.S.: A foto é de Rita Ribeiro, encantando...

sábado, 10 de julho de 2010

Chico ao car da tarde


Olá!



Sintonizei uma dessas rádios que têm na tv e fiquei quieto na sala, ouvindo música. Supresa, mais que supresa (e grata): Simone cantando "Trocando em miúdos". Divino-maravilhoso, pensei. Combina com a tarde caindo, uma canção pungente sobre um amor que se vai, uma canção para tarde que também se vai. A letra fica como o poema do dia. Porque Chico Buarque é poeta, certo. E dos bons:



TROCANDO EM MIÚDOS


Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim!
O resto é seu


Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças


Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter

Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado


Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu


Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde

(Chico Buarque)



Lindo, não?



Do Jorge.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A viagem do elefante


Olá!



Sempre usei este blog para falar, basicamente, da minha experiência de leitor - e descubro, olhando lá no início, quando comecei a narrar minha "experiência de vivente" através desse hiper-espaço, quando pensava em escrever sobre tudo o que fosse importante para mim, descubro que não há nada que experencio com mais intensidade do que a literatura e a leitura. Trato os livros como amigos, já que convivo com eles por algum tempo - e, com alguns, por toda a vida - e gosto de contar como eles incidem sobre mim, do mesmo modo como gostamos de falar dos amigos e de sua influência sobre nós. É o diário de um leitor, portanto.

E, como tal, hoje falo desse maravilhoso texto que, por um acaso, me caiu às mãos. Quando o Saramago morreu, no último 18 de junho, fui à estante à cata de seus livros, peguei com especial ternura meu exemplar de "A jangada de pedra" e imediatamente me lembrei de sua leitura (longa, já que demorei quase um mês e meio para atravessá-lo) fascinante, hipnótica, deslumbrante. Peguei também "O evangelho segundo Jesus Cristo", pensando em como ele abalou minha estrutura judaico-cristã à época da leitura (e lá se vão quase dez anos). Procurei me reencontrar com Saramago naquela noite, quando de sua morte. Dois dias depois, ao fazer compras com Mary, deparei-me com um exemplar de "A viagem do elefante", penúltimo livro do autor português, publicado em 2008, na banca de revistas do supermercado. Claro que não resisti e o comprei, mais como uma espécie de última reverência ao finado autor. Não foi, pois, uma leitura planejada, desejada. Lembro de ter lido uma resenha na Folha quando do lançamento do livro e só. Não foi um livro que logo quis ler. Deixei-o de lado. Pois ele veio até mim.

E que texto! A história do romance (Saramago escreve "conto" abaixo do título) é bastante simples. Em 1551, o rei português D. João III decide dar de presente a seu cunhado, o arquiduque Maximiliano da Áustria, um elefante de presente de casamento, um elefante que a Corte Portuguesa tinha adquirido anos antes como uma espécie de mimo à suas majestades, mas que agora tinha pouca ou nenhuma serventia. Partindo desse fato, real, José Saramago reconta viagem de Salomão (o elefante), de Lisboa até Viena, sob os cuidados do cornaca Subhro, seu fiel tratador. Com engenho e arte (perdão pelo clichê), as peripécias da caravana, que metade do caminho é portuguesa, metade é austríaca, são narradas, sempre com a pena fina da ironia e do humor, caminhos que Saramago conhecia bem. Salomão, mais que um simples elefante, torna-se a razão e a causa de vida daquelas pessoas, ao menos ao longo da travessia de meia Europa. Uma Europa a um só tempo pós-feudal e pré-moderna, que vai se desvelando em seus jogos de poder e de interesse, catalisados pela figura do magnífico paquiderme que é Salomão. Um livro raro.

Como texto do dia, claro, posto um trecho do romance. Um detalhe importante: Saramago optou por escrever todos os nomes próprios, de personagens e lugares, com letra minúscula, talvez numa tentativa de igualar a todos através da linguagem. Por isso, a citação vai como está no romance:


"Diz-se, depois de que primeiro o tivesse dito tolstoi, que as famílias felizes não tem história. Também os elefantes felizes não parece que a tenham. Vejam-se, por exemplo, o caso de salomão. Durante duas semanas que esteve em bressanone, descansou, dormiu, comeu e bebeu à tripa-forra, até chegar com o dedo, algo assim como umas quatro toneladas de forragem e uns três mil livros de água, com o que pode compensar as numerosas dietas forçadas a que havia sido obrigado a submeter-se durante a longa viagem por terras de portugal, espanha e itália, quando nem sempre foi possível reabastecer-lhe com regularidade e despensa."

(p. 233)



Beleza, não? Leiam, pois, leiam esta maravilhosa jóia que é "A viagem do elefante". É Saramago em sua melhor forma.



Do Jorge.