Olá!
O sol vai caindo, nessa cristalizada imagem que é o seu pôr, eterno, dia após dia, pelos séculos, amém! É uma imagem que vejo sempre dessa minha janela, que me persegue sempre. É uma hora perigosa, como disse a cantora Maria Bethânia numa entrevista, é como se a natureza mudasse a guarda. Fica um buraco no dia. É como um espanto, o fim da tarde. Um estranho epílogo para esta que é, sem dúvida, a parte mais poética do dia.
Para consolar-nos, só a poesia. E Deus. Ou ambos, como nesse belo poema da Adélia Prado, talvez feito também num fim de tarde:
"Órfã na janela"
Estou com uma saudade de Deus,
uma saudade tão funda que me seca.
Estou como palha e nada me conforta.
O amor hoje está tão pobre, tem gripe,
meu hálito não está para salões.
Fico em casa esperando Deus,
cavacando a unha, fungando meu nariz choroso,
querendo um pôster dele no meu quarto,
gostando igual antigamente
da palavra crepúsculo.
Que o mundo é desterro eu todo vida soube.
Quando o sol vai-se embora é pra casa de Deus que ele vai,
para a casa onde está meu pai.
(In: "O coração disparado", 1978)
Do Jorge.