Já estou quase emborcando no sono, luto ainda contra ele porque quero concluir ao menos esse capítulo do romance "Uma casa no fim do mundo", do Michael Cunningham, que ando lendo nesses dias. E é dele o trecho que vai hoje, aqui, como uma pílula para dormir (um Rivotril poético, se assim quiserem).
O personagem Bobby está na cozinha da casa de seus amigos Clare e Jonnathan, tentando pregar uma peça neste último, quando subitamente se recorda de seu irmão Carlton, morto há anos atrás. Ele diz:
"(...) Me ocorreu que a própria morte talvez fosse uma forma mais distante de participação na contínua história do mundo. A morte poderia ser assim - uma simultânea presença e ausência enquanto os amigos da gente continuavam a conversar, entre lâmpadas e móveis, sobre alguém que não era mais você. Pela primeira vez em vários anos senti a presença do meu irmão. Senti inequivocadamente - sua essência, seu propósito, a característica de Carlton que permanecia depois que a voz, a carne e todas as outra consequências corporais já tinham ido embora. Eu o senti naquela cozinha com tanta certeza quando tinha sentido numa tarde fria e branca no cemitério, anos antes, quando um brilhante futuro reverberava para além dos túmulos, para além da curvatura da Terra." (p. 162)
Pura beleza, não?
Do Jorge.