terça-feira, 9 de agosto de 2011

Senhor do tempo


Olá!



Ainda sobre o signo de Caetano Veloso, hoje escrevo sobre um disco que acabou de sair, de uma cantora pouco conhecida, por uma gravadora também obscura, ao menos para a maioria. Trata-se de "Senhor do tempo - as canções raras de Caetano Veloso", de Cláudia (que, antes, assinava o nome com "y"), uma dessas raras vozes femininas, de emissão delicada e perfeita, afinada como poucas das nossas cantoras. Claudia gravou quase duas dezenas de discos ao longo de sua carreira, iniciada nos anos 60 e, desde há muito, andava sumida do mercado fonográfico, até receber, em 2010, o convite do DJ Zé Pedro, proprietário da gravadora Joia Moderna, para fazer um songbook inteiramente dedicado ao labo b da obra de Caetano Veloso.


E o resultado é este maravilhoso disco que agora ouço, o tenho ouvido desde que o recebi, semana passada. A voz de Claudia, do alto de seus mais de 60 anos, soa cristalina o tempo inteiro. Alcança notas altíssimas, como em "Menino deus", mantem-se firme na segunda e veloz parte de "As cinco pontas de uma estrela" e é categoricamente dramática em "José", uma canção sobre o emparedamento do homem e que, talvez, foi a minha maior alegria ao ouvir o disco. Aliás, sobre o repertório, ao dizer que se trata do lado b da obra do baiano, refiro-me, certamente, à canções que são pouco ou nada ouvidas, grande parte delas não gravadas nem mesmo pelo próprio Caetano. E é aí que reside a finura de Claudia na escolha de cada uma delas, como uma espécie de pescadora de pérolas, fisgando cada canção que, depois, fisgará também o ouvinte. Comoventes interpretações atravessam o disco, como "Naquela estação" (que, talvez, seja a menos obscura das canções, já que ganhou, nos anos 90, uma versão da Adriana Calcanhotto) ou "Senhor do tempo". Também ganham nova vida canções que, ao longo do tempo, haviam ganhado esparsas versões, como "Louco por você", "O samba em paz" e "Pele". Todas coerentemente costuradas pela voz e pelo brilho de Clauda, essa grande cantora que o Brasil precisa redescobrir.


Como texto do dia, ainda no embalo do aniversário do Caê, posto a letra de "Duas manhãs", canção que fecha o disco e que diz, metáfora para a própria grandeza do disco, "Fim de noite, esta manhã / muito mais que amanhecer":



DUAS MANHÃS



A clareza da manhã

chega devagar

feita de muitos azuis

Solta em gotas no ar

molhando as coisas de luz


Tudo nasce na manhã

a cidade vai cantar

nesse azul de muita cor

Acordei para te esperar

novo para o meu amor


Mas que noite é essa manhã

em que a noite vai morrer?

E o azul que vem no ar

vem mais água apagar

que um um novo dia trazer


Fim de noite, esta manhã

muito mais que amanhecer

As estrelas vão sumir

Vou deitar para não dormir

e você vai me esquecer



Fim de noite, esta manhã

muito mais que amanhecer.



(Caetano Veloso)



Do Jorge.

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