Olá!
Ainda sobre o signo de Caetano Veloso, hoje escrevo sobre um disco que acabou de sair, de uma cantora pouco conhecida, por uma gravadora também obscura, ao menos para a maioria. Trata-se de "Senhor do tempo - as canções raras de Caetano Veloso", de Cláudia (que, antes, assinava o nome com "y"), uma dessas raras vozes femininas, de emissão delicada e perfeita, afinada como poucas das nossas cantoras. Claudia gravou quase duas dezenas de discos ao longo de sua carreira, iniciada nos anos 60 e, desde há muito, andava sumida do mercado fonográfico, até receber, em 2010, o convite do DJ Zé Pedro, proprietário da gravadora Joia Moderna, para fazer um songbook inteiramente dedicado ao labo b da obra de Caetano Veloso.
E o resultado é este maravilhoso disco que agora ouço, o tenho ouvido desde que o recebi, semana passada. A voz de Claudia, do alto de seus mais de 60 anos, soa cristalina o tempo inteiro. Alcança notas altíssimas, como em "Menino deus", mantem-se firme na segunda e veloz parte de "As cinco pontas de uma estrela" e é categoricamente dramática em "José", uma canção sobre o emparedamento do homem e que, talvez, foi a minha maior alegria ao ouvir o disco. Aliás, sobre o repertório, ao dizer que se trata do lado b da obra do baiano, refiro-me, certamente, à canções que são pouco ou nada ouvidas, grande parte delas não gravadas nem mesmo pelo próprio Caetano. E é aí que reside a finura de Claudia na escolha de cada uma delas, como uma espécie de pescadora de pérolas, fisgando cada canção que, depois, fisgará também o ouvinte. Comoventes interpretações atravessam o disco, como "Naquela estação" (que, talvez, seja a menos obscura das canções, já que ganhou, nos anos 90, uma versão da Adriana Calcanhotto) ou "Senhor do tempo". Também ganham nova vida canções que, ao longo do tempo, haviam ganhado esparsas versões, como "Louco por você", "O samba em paz" e "Pele". Todas coerentemente costuradas pela voz e pelo brilho de Clauda, essa grande cantora que o Brasil precisa redescobrir.
Como texto do dia, ainda no embalo do aniversário do Caê, posto a letra de "Duas manhãs", canção que fecha o disco e que diz, metáfora para a própria grandeza do disco, "Fim de noite, esta manhã / muito mais que amanhecer":
DUAS MANHÃS
A clareza da manhã
chega devagar
feita de muitos azuis
Solta em gotas no ar
molhando as coisas de luz
Tudo nasce na manhã
a cidade vai cantar
nesse azul de muita cor
Acordei para te esperar
novo para o meu amor
Mas que noite é essa manhã
em que a noite vai morrer?
E o azul que vem no ar
vem mais água apagar
que um um novo dia trazer
Fim de noite, esta manhã
muito mais que amanhecer
As estrelas vão sumir
Vou deitar para não dormir
e você vai me esquecer
Fim de noite, esta manhã
muito mais que amanhecer.
(Caetano Veloso)
Do Jorge.
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