quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A vida bate


Olá!




É alta noite, termino aqui uma coisinhas no computador para poder ir dormir. Não sem antes levar um livro para cama (neste caso, "Paciente particular", um romance policial de P. D. James, meu vício, como sabem). Não sem antes postar também um poema, como hábito (e não sou monge!).


Há algumas semanas, liguei a tevê e num canal qualquer passava uma entrevista com o Ferreira Gullar. Tudo naquele esquema eu-vou-perguntar-o-óbvio-e-você-responde-o-óbvio-também... nem prestei muita antenção. Mas o final. O final me deixou em alfa. O apresentador Sérgio Chapelein (aquele do Globo Repórter) leu (magistralmente, diga-se) o poema "A vida bate", do Gullar, enquanto eram exibidas imagens dos transeuntes pelas ruas do Rio de Janeiro, cidade da América Latina, como diz o texto. Fui às lágrimas. Pensei nele hoje, no texto, e posto aqui para vocês:



A VIDA BATE


Alguns viajam:
vão a Nova York,
a Santiago do Chile.
Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega,
detrás de balcões e de guichês.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas,
a cidade é o refúgio do homem,
pertence a todos e a ninguém.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas.
És Antônio ?
És Francisco ?
És Mariana ?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate.
Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.


(Ferreira Gullar)


A vida bate, também aqui, em São Mateus, poderíamos completar.



Do Jorge.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

De volta ao batente

Olá!
Passei o mês de janeiro de molho, não postei nada. Tirei férias até desse blog. Mas agora estou de volta ao batente. Amanhã também recomeçam as aulas, quer dizer, o nosso planejamento coletivo (os alunos retornam na segunda). É hora de religar as máquinas, preparar o espírito para mais um ano (que agora de fato começa). Reativar, como agora reativo esse blog.
E, para não perder o costume, eis o meu poeta do dia: Lawrence Ferlinghetti. Norte-americano, Ferlinghetti é o decano dos poetas beatniks, o único ainda vivo, produzindo textos no alto dos seus 91 anos. Nos intervalos, têm fôlego para dirigir a City Lights, a livraria mais prestigiada de São Francisco, Califórnia, sua há mais de 50 an0s. Dono de um estilo que beira a irônia e o sacrilégio, Ferlinghetti consegue arrancar sacações extremamente sensíveis de seus versos, como neste, que posto aqui:
AUTOBIOGRAFIA
Sou um lago na planície.
Uma palavra
numa árvore.
Sou uma montanha de poesia.
Uma blitz no inarticulado.
Sonhei
que todos os meus dentes caíram
mas a língua sobreviveu
para contar a história.
Porque sou um
silêncio
poético.
(IN: "Um parque de diversões da cabeça", 1958)
Do Jorge.