segunda-feira, 27 de julho de 2009

Wislawa Szymborska



Olá!



O Nobel de 1996 supreendeu muita gente ao ser concedido à poeta polonesa Wislawa Szymborska. Praticamente desconhecida no Brasil à época (até hoje, posto que nenhum livro seu foi inteiramente vertido para o nosso português), a laureada tornou-se logo a coqueluche do momento. Todos queriam lê-la, conhecer o seu universo poético. E eu, leitor voraz desde sempre, como eles procurei algo daquela mulher. Não leio polonês, é claro. O que me caiu (via internet), acabei traduzindo do inglês. Achei bárbaro: os poemas que traduzi/li logo revelaram-se esplandidamente simples, cotidianos, profundamente humanos, mas políticos em sua defesa da nossa condição. Uma voz feminia polonesa, na melhor tradição de Czeslaw Miloz, outro polonês laureado, foi a minha grata descoberta.



E eis que hoje à noite, revirando (metaforicamente, é claro, pois uso o computador) antigos textos digitais, descubro os poemas que traduzi. São três: "Possibilidades" (Possibilities), "A alegria de escrever" (The joy of writing) e "Utopia" (Utopia). Criei coragem (me veio agora, de assalto) e publico uma delas, "Possibilidades". No original e a minha tradução, para que o leitor compare. Vá lá:


Possibilities

I prefer movies.
I prefer cats.
I prefer the oaks along the Warta
I prefer Dickens to Dostoyevsky.
I prefer myself liking peopleto myself loving mankind.
I prefer keeping a needle and thread on hand, just in case.
I prefer the color green.
I prefer not to maintainthat reason is to blame for everything.
I prefer exceptions.
I prefer to leave early.
I prefer talking to doctors about something else.
I prefer the old fine-lined illustrations.
I prefer the absurdity of writing poemsto the absurdity of not writing poems.
I prefer, where love's concerned, nonspecific anniversaries
that can be celebrated every day.
I prefer moralists
who promise me nothing.
I prefer cunning kindness to the over-trustful kind.
I prefer the earth in civvies.
I prefer conquered to conquering countries.
I prefer having some reservations.
I prefer the hell of chaos to the hell of order.
I prefer Grimms' fairy tales to the newspapers' front pages.
I prefer leaves without flowers to flowers without leaves.
I prefer dogs with uncropped tails.
I prefer light eyes, since mine are dark.
I prefer desk drawers.
I prefer many things that I haven't mentioned here
to many things I've also left unsaid.
I prefer zeroes on the looseto those lined up behind a cipher.
I prefer the time of insects to the time of stars.
I prefer to knock on wood.
I prefer not to ask how much longer and when.
I prefer keeping in mind even the possibility
that existence has its own reason for being.


Possibilidades


Prefiro filmes.
Prefiro gatos.
Prefiro os carvalhos ao longo do Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievski.
Prefiro gostar das pessoas a fazer amor.
Prefiro ter linha e agulha a mão, por precaução.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não manter aquela razão,
culpada por tudo.
Prefiro exceções.
Prefiro partir cedo.
Prefiro conversar algo com os doutores.
Prefiro antigas ilustrações.
Prefiro o absurdo de escrever poemas
ao absurdo de não escrever poemas.
Prefiro o amor interessado, das datas inesperadas,
a ser celebrada todos os dias.
Prefiro os moralistas
que não me prometem nada.
Prefiro a boa astúcia à falsa confiança.
Prefiro a terra nua.
Prefiro ser conquistada a conquistar.
Prefiro ter algumas reservas.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os Contos dos Irmãos Grimm às primeiras páginas dos jornais.
Prefiro abandonar flores a ver flores abandonadas.
Prefiro cães com rabos não cortados.
Prefiro olhos iluminados, desde que os meus sejam escuros.
Prefiro mesas de desenho.
Prefiro muitas outras coisas que não mencionei aqui,
muitas outras coisas também, indizíveis.
Prefiro os zeros
aos números de grande cifra.
Prefiro o tempo dos insetos ao tempo das estrelas.
Prefiro bater nas árvores.
Prefiro não perguntar quão longe e quando será.
Prefiro imaginar que cada possibilidade
da vida tem sua própria razão de ser.

Wislawa Szymborska
(Traduzido por Jorge Luís Verly Barbosa, 1996)





Relendo agora, não achei tão mal assim. Algumas solução apressadas (ai, meus quinze anos!) aqui e ali, mas acho que transpus com respeito o espírito de Wislawa. Ao menos, serviu para que eu a conhecesse. Talvez, sirva para vocês também.










Do Jorge.





sábado, 18 de julho de 2009

Um comprimido para dormir...

Olá!


Caiu e já vai alta a noite, eu também caio no sono...
Antes de dormir, um poema, com uma drágea, balsâmica, que me fará repousar, para o meu sono de beleza (poética, não estética, é claro):


Dentro de mim há pássaros
e eu me sinto cansado
de partir.

Sou homem e não sei
para onde ir.
Sou pássaro,
não sei porque me espantam.

(Carlos Nejar)


Do Jorge.

domingo, 12 de julho de 2009

O barco mítico



















Olá, outra vez!


Pensando nos barcos e no mar (vide o post anterior), agora, no fim da tarde/início da noite, enquanto dou uma pausa na leitura do Seferis, me veio como num relâmpago o poema da Sophia de Mello Breyner, dito magistralmente pela Bethânia no show "Dentro do mar tem rio":


Através do meu coração passou um barco
que não para de seguir, sem ti,
o seu caminho



Para terminar bem (e poeticamente) o dia.



Do Jorge.

Leitura de férias




Olá!




Esse blog é como uma centelha, uma fagulha que ora se apaga, ora se (re)acende. Não vivo em função dele, mas sei que ele vive em mim. Porque o que aqui está resvala de mim, do que sou, dos meus apontamentos sobre o mundo, sobretudo de como o vejo e de como o sinto.


Então, vale aqui falar dos planos para esta semana (curtíssima) de recesso escolar. Uma pausa da escola (e das leituras pedagógicas, históricas, teóricas) e me propus ler, nesta semana, dois autores há muito desejados, mas ambos sem tempo para mim (eu, na verdade, para eles): Thomas Mann e Giorgios Seferis. Devo dizer que a escolha não foi planejada, mas casual. Melhor, planejada pelo acaso. Na semana anterior, dando uma bisbilhotada na biblioteca da escola, encontrei, numa estante meio escondida, a Biblioteca do Prêmio Nobel. Foi uma dupla surpresa. A primeira, por econtrar lá os dois autores, que eu há muito esperava reler. E, a segunda, por ter me reencontrado com essa coleção, que fazia parte da biblioteca da escola em que fiz o Ensino Médio. Foi através dela que li, pela primeira vez, Mann e Seferis, além de Salvatore Quasímodo, Gabriela Mistral, T. S. Eliot, André Gide, Saint-John Perse, entre tantos outros "nóbeis" autores. Foi assim que decido meu roteiro de leituras de férias. Escolhi Mann ("A morte em Veneza") e Seferis ("Poemas") quase que imediatamente.


Comecei por Seferis, no sábado (ontem). Trata-se de uma leitura rápida, como é a leitura de poemas. Mas sempre atenta, reflexiva. A primeira parte do livro, "Mitohistorima" ("Mitologia", em português) é uma volta à história grega, pela ótica do mar, dos grandes navegadores, desde o mítico Ulisses e seus argonautas, atés os marinheiros comuns gregos, que fazem a glória do comércio marítimo daquele país. Seferis tem uma dicção muito clara, direta como a fala, mas, ao mesmo tempo, plena de lirismo, embebida de história e de sentimento gregos. Reproduzo um dos poemas:




XII


Três rochedos, alguns pinheiros calcinados, uma ermida.
Um pouco mais alto
Repete-se a paisagem:
Três rochedos em forma de quebra-vento, carcomidos,
Alguns pinheiros calcionados negros e amarelos,
Um casebre quadrado perdido na cal,
E mais alto, ainda, várias vezes,
Reitera-se a paisagem, em degraus
Até o horizonte, até o céu do poente.

Aqui, lançamos âncora para reparar nossos remos partidos,
Matar a sede, dormir.
O mar que nos magoou, o mar profundo e insondável,
Desdobra sua calma sem limites.
Aqui, entre as pedras do lastro, encontramos uma moeda de prata
E a jogamos aos dados.
O mais jovem ganhou, não o vimos mais.

Tornamos a partir com os remos quebrados.




O poema poderia tratar-se tanto dos gregos mitologicos, como de marinheiros de nossa época. Há de comum entre eles (e entre nós, gregos ou não) o chamado do mar, mais forte, como uma imperiosa voz que se exige ouvir. E obedecer. Trata-se do mar, enfim, e de sua potência.


Volto, agora, a Seferis. Posto depois novas impressões sobre ele e sobre Mann.




Do Jorge.
PS: As fotos são de Thomans Mann, em sua bliblioteca, na década de 40, e Seferis, na Grécia, sua terra natal, no fim da vida.