domingo, 27 de abril de 2008

Para iluminar o domingo

Oi,
Domingo é dia morto. Nada melhor, então, que um pequeno (mas potente) sopro de vida:


"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros".

(Clarice Lispector)
Abraço,
Do Jorge.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Maria e Sophia





















Olá,


Um disco imperdível é "Mar de Sophia", da Maria Bethânia (Biscoito Fino, 2006). Mescla de música e poesia, tendo como parâmetros o mar e a poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner. Entre uma canção e outra, sempre sobre as águas do mar, Bethânia desfia poemas de Sophia, recitando cada texto como só ela sabe fazer. São pequenas picadas na veia, instantâneos de beleza e de luz. Maravilhas como esta:




"Pirata"

Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento como os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.


Este disco vale por um dia no paraíso.



Abraço,


Do Jorge.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Poema do dia









Olá!





Uma tarde daquelas... azul profundíssimo, o céu de uma limpideza cortante. Dói. A vista e a alma. Amo as tardes, gosto de escrever sobre elas, sobre os estremecimentos que a tarde tem. Pelo menos para mim, elas sempre tiveram. Nas tardes tenhos minhas pequenas epifanias, momentos em que, meio como Santa Teresa de Ávila, tenhos meus êxtases. Quase sempre leio poesia à tarde, escrevo muitas delas também quando ela chega. Mas hoje, passando os olhos por alguns livros aqui em casa, caiu-me nos olhos o "Pequeno oratório do poeta para um anjo", da Neide Archanjo. Tudo ali é lindo. Segue:



PEQUENO ORATÓRIO DO POETA PARA UM ANJO



Era musa
e parecia ser Anjo.
Era musa.


....


Naquela tarde de maio
(ou era junho?)
o Anjo
água escorrendo natural e pura
postou-se à minha frente sorrindo.
E ninguém me ouviria
mesmo se eu gritasse.


....


Era candeia
e parecia ser o lume.
Era a candeia.


...


Nomeio-o
Alma
adequado ao clarão
que traz consigo.


...


Nem distraído
nem remoto
este Anjo
apenas hesitante
entre o bem e o mal
como se um e outro
ele não fora
e assim desapercebido
ora luz ora sombra
passasse por mim.
Em contrapontos.


...


Era quimera
e parecia ser o amor.
Era quimera.


...


Graça flutuante
figurava estar sentado.
A cabeça era magra
coberta de cachos
junquilhos
de onde o sol jorrava.
As asas
mantidas fechadas
tocavam o chão
longas emplumadas
o corpo intangível.


...


Seus olhos
castanhoverdecinzadourados
escarlates me olhavam
como se fossem
desde sempre
a límpida palavra.
Era belo
e assim se apresentava.


...


Era o caule
e parecia ser a flor
Era o caule.


...


Veste-se de blue
e um fio transparente
costura-lhe
asas e costas.


...


Quer ser apenas
azul e belo
como é a paixão.


...


Era flexa
e parecia ser alvo.
Era flexa.


...


O que quer
não me confessa
apenas deita
sobre o poema
e afaga as vestes.
Depois
muito depois
enrolando os caracóis
chora a pátria oculta
hemisférios
alguma tarde de amoras
melodia
perdida na memória.
Que Anjo é este
e a que vem?


...


Era a Beleza
e parecia ser a Beleza.
Era a Beleza.


...


Filho pródigo
abandonou a casa.
De seus vestígios de musa
de seus lampejos de Anjo
brotaram todas as lágrimas.
A dor
incrustada na curva da porta
esperou por muito tempo
a volta.
Depois no rubi deste coração
escreveu seu nome.






Gosto sobretudo do "Era a Beleza / e parecia ser a Beleza. / Era a Beleza". Esse poema (lê-lo) só pode mesmo acontecer numa tarde como essa. Em que a Beleza é, de fato, a Beleza.





Abraço,



Do Jorge.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Adélia Prado

Pessoas,




Anda meio sumida a Adélia. Quero dizer, ela deve andar lá pelas bandas de Divinópolis, preparando bolos deliciosos em sua cozinha, falando com os filhos (já grandes, e com netos) naquela voz mansa que só ela tem... deve estar amando o Zé como no dia do primeiro amor. Mas sinto falta dela aqui, no meio de nós, seus leitores. Li há uns anos que iria pintar um livro novo por aí, mas até agora só saudade. Acho Adélia a maior poeta (e estou falando de homens e mulheres) brasileira viva. Falo nela e meus olhos marejam, lembro de uma tarde há muitos anos atrás (eu e meus dezesseis, a flor da flor da juventude, a idade da desrazão) quando, deitado em minha cama, abri o livro, "Bagagem". Meu Deus, que descoberta! Foi um universo que se desabrochou diante de mim, um mundo singelo, pautado pela voz feminina (e eu, que sou homem, aprendi desde então a escutá-la com atenção, a captar a beleza que há nela) e pela mística. Um mundo sensorial, erótico, pleno de riqueza, de filosofia, de Deus e de amor. São aí dez anos de paixão. Incessante. Li toda a obra de Adélia com uma avidez, releio sempre. Aprendi seus versos de cor e às vezes, meio louco, meio solene, recito aqui pela casa, "Quando nasci / um anjo esbelto, / desses que tocam trombeta, anunciou: / vai carregar bandeira!", ou "Um dia/ como vira um navio / para nunca mais / esquecê-lo, / vi um leão de perto". Adélia está sempre comigo. Vivo planejando um dia pegar o carro e ir à Divinópolis, bater na porta dela e só dizer, Adélia, sem você a minha vida seria certamente mais pobre. Por isso, essa saudade agora. Essa falta. Resta-me relê-la. E citá-la. Um poema. O que mais gosto:


DO AMOR


Assim que se é posto à prova,

na cinza do óbvio, quando

atrás de um caminhão vazando

o homem que pediu a sua mão

informa:

'está transportando líquido'.

Podes virar senta se, em silêncio,

pões de modo gentil a mão no joelho dele

ou a rainha do inferno se invectivas:

'claro, se está pingando,

querias que transportasse o que?'

Amar é sofrimento de decantação,

produz ouro em pepitas,

elixires de longa vida,

nasce de seu acre

a árvore da juventudade perpétua.

É como cuidar de um jardim,

de modo quase imoral deleitar-se

com o cheiro forte do esterco,

um cheiro ruim meio bom,

como disse o menino

quanto aos porquinhos no chiqueiro.

É mais que violento o amor.


(Em "Oráculos de maio", 1999)


Abraço,



Do Jorge.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sobre o declínio e as invasões




Olá,


Esse fim de semana, revi dois filmes que há muito estavam esquecidos em mim. Esquecidos, não, pois nada se esquece. Hibernavam, quero dizer, a emoção de tê-los visto em mim se guardava. Para se mostrar, quando conveniente. Como neste fim de semana.
Os filmes aos quais me refiro são os magníficos "O declínio do império americano" e "As invasões bárbaras", do diretor canadense Denis Arcand. "O declínio..." é de 1986 e "As invasões...", de 2003. Dezete anos separam os filmes. Que estão para sempre conectados entre si. As histórias são complementares. O primeiro trata da preparação de um almoço pelos professores universitários (de História) Rémy, Claude e Alan, enquanto suas mulheres discutem numa academia de ginástica. Lá e cá não se fala de outro assunto que não o sexo. Quer dizer, o sexo é o mote para que entre todos os anseios da geração 60 chegando à maturidade numa época conturbada como o final do século XX. O segundo filme mostra o mesmo grupo, agora reunido por um motivo não tão trivial: a doença incurável de Rémy. Seu filho, um yuppie que vive em Londres, organiza o reencontro dos amigos do pai, para que este possa ter uma morte digna e cercada de afeto. Trocando em miúdos, seriam estes os enredos dos filmes.
Mas, há muito além disso. As fabulosas interpretações (todos de atores pouco conhecidos, canadenses todos) fazem com que se tenha mesmo a impressão de que são realmente ligados por este laço que chamamos de amizade. Tudo é natural e espontâneo. Outro dado é que os dois filmes retratam momentos de desesperança pós-moderna, sobretudo "As invasões bárbaras". O pai, Rémy, vê tudo aquilo que ele ajudou a erguer, quer dizer, vê o ideal socialista desmoronar, em parte pela sua doença, em parte pelo fato de o filho, com seu "way of life", representar o oposto de suas crenças. Sintezar, enfim, o triunfo do capitalismo, do consumismo, do individualismo. Entretanto, esse isolamento é quebrado pela reunião promovida pela doença de Rémy, que o faz reatar laços com seus amigos (do primeiro filme) e com o filho. Há uma troca fundamental de experiência, há o toque (inconciliável, via teoria) entre as ideologias dominantes do século XX (capital e social) e postas em cheque neste início do XXI.
Filmes extraordinários, obrigatórios, repletos de encontro, de alegria, de profundeza intelectual e de beleza artísticas. De emoção e sentimentos. Filmes, sobretudo, plenos de reflexão sobre a vida, sobre o ser humano e sobre os laços que afetivos que o definem.


Do Jorge.

sábado, 12 de abril de 2008

ENIGMA, SHAKESPEARE E ABUSO DE CLASSE EM "DOM CASMURRO"

Texto meu, meio antigo, mas que agora quis publicar. Segue:



Uma acusação que sempre recai sobre aqueles que escrevem sobre literatura é a de que estes preferem falar sobre autores consagrados, autores que têm atrás de si toda uma fortuna crítica na qual o sujeito pode se apoiar e escrever sem risco, com o conforto e a segurança de estar pisando num terreno absolutamente seguro. Pois foi exatamente um autor clássico que escolhi para iniciar esta coluna. Um clássico que tem estudos seminais, publicados por gente da estirpe de Antônio Cândido, Roberto Schwarz, Helen Caldwell e Fábio Lucas, grandes críticos. Um autor que é considerado o maior da literatura brasileira. Falo, obviamente, de Machado de Assis. No entanto, a segurança termina aqui, pois me proponho a analisar – em linhas gerais, diga-se, pois este não é um ensaio crítico profundo – o mais enigmático de todos os seus livros, Dom Casmurro. E em relação a este romance, não pode haver segurança. Mas corro esse risco.
Conto aqui minha experiência com o livro. Li Dom Casmurro há algum tempo, quando era ainda estudante secundário. Confesso: foi uma leitura enjoada, realizada apenas para cumprir um trabalho pedido pelo professor de português. Na época, fui levado (por quem, explico depois) a acreditar no seguinte: Capitu era culpada e Bentinho uma vítima do adultério da esposa com o melhor amigo do casal, Escobar. Já na faculdade, reli o livro e minha opinião foi oposta: Bentinho era um sujeito ciumento e Capitu foi a vítima deste ciúme. É claro que esta segunda leitura foi mais atenta, uma leitura acompanhada da leitura de outros textos a respeito de Dom Casmurro. Fiz ainda uma terceira, para confirmar a minha crença na inocência de Capitu.
E isso deve-se, em parte, à leitura do brilhante O Otelo brasileiro de Machado de Assis, livro da acadêmica norte-americana Helen Caldwell, publicado nos EUA em 1960 e que só em 2002 mereceu uma edição brasileira, publicada pela Ateliê. Nele, a autora apresenta e analisa uma série de aspectos do romance de Machado que, segundo ela, estaria impregnado de elementos shakespearianos. Uma tese revolucionária, sem dúvida – lembre-se que foi escrita em 1960 e por uma norte-americana –, mas que mostra-se plausível após uma leitura atenta de Dom Casmurro. Por exemplo, a parte final do romance não deixa de ser shakespeariana, repleta de reveses dramáticos: a tentativa de suicídio de Bentinho, a acusação à Capitu de sua suposta traição, a viagem de mãe e filho e as suas respectivas mortes, quase seguidas. Ora, Machado de Assis era um grande leitor de Shakespeare e não é de todo impossível crer que a maior inspiração à Dom Casmurro tenha sido Otelo. Lá estão o mesmo ciúme e o mesmo excesso de amor, o mesmo triângulo – Otelo, Desdêmona e Miguel Cássio podem ser substituídos por Bentinho, Capitu e Escobar – e a mesma tragédia que encontramos na peça de Shakespeare. Helen Caldwell vale-se da análise dos nomes das personagens para confirmar a influência de Otelo sobre Machado, como por exemplo o nome Santiago – sobrenome de Bentinho –, que segundo ela é uma fusão entre Santo e Iago, o vilão da peça de Shakespeare e que leva o protagonista a crer que sua esposa o traiu. A verdade é que, mesmo admitindo que a matriz de inspiração do romance de Machado de Assis tenha sido Shakespeare, trata-se de uma obra original em concepção narrativa e poderosa em força dramática.
Como disse, acredito na inocência de Capitu. Como a provo? Para responder à esta pergunta, remeto-me à outra pergunta, que fiz um pouco antes: Por quem fui levado, na primeira leitura, a acreditar na culpa de Capitu? Ora, esta é uma questão complexa, mas fácil de responder. O romance é narrado em primeira pessoa, por Bentinho, que nos conta sua desafortunada história de amor e “adultério”. E aí está a resposta à questão: a única versão dos fatos de que dispomos é a dele. E como ele crê no adultério, somos levados por ele a crer que isso realmente ocorreu. Não há a versão de Capitu, de Escobar. Só há a fala de Bentinho, homem rancoroso e ciumento, que massacra e a esposa e o filho (que ele julga ser de Escobar e não seu), mas que quer nos fazer acreditar que ele tem razão. Para isso, forja pistas que são dúbias e muito pouco confiáveis, se prestarmos atenção à elas. Trato de apenas um exemplo: a semelhança entre o filho de Bentinho e Capitu, Ezequiel, e o melhor amigo do casal, Escobar. No romance, esta semelhança é notada apenas por Bentinho. É ele que nos informa sobre ela. Mas será que havia realmente semelhança? Vejamos. No capítulo CXXI, Capitu diz a Bentinho que o menino tem o mesmo olhar de Escobar. Mas quem nos diz isso é o próprio Bentinho, o narrador. Além disso, as semelhanças resumem-se ao olhar e à mesma mania que Escobar tem de imitar os outros e que Ezequiel aprendeu e vive repetindo. Ou seja, muito pouco para que possamos realmente chamar de semelhança. Apenas por isso, podemos concluir que Bentinho manipula a história conforme seus interesses, ou seja, para provar a “culpa” de Capitu. Há outras passagens no texto que provam isso, como as cartas apaixonadas que ela escreve de seu exílio na Suíça e que ele lê com frieza ou o desespero e a surpresa dela diante das acusações de adultério. Conclui-se, pois, que Bentinho foi e fez Capitu vítima de seu ciúme. E, quando percebeu isto – quer dizer, antes do livro ser escrito, pois se tratam de memórias –, resolveu, para limpar sua consciência, nos contar a sua versão dos fatos. E essa versão é o romance Dom Casmurro.
Além disso, há outros aspectos importantes presentes no livro que devem ser explicitados; aspectos que são, na realidade, da própria ficção machadiana como um todo. Ora, ninguém ignora que com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas em 1891, a literatura produzida por Machado de Assis sofreu uma tal revolução formal, que tem sido objeto de alentados estudos até hoje. Como é possível compreender que um autor apenas mediano, que escrevera romances à moda do romantismo que então imperava na literatura brasileira, foi capaz de aparecer em 1881 com um livro tão surpreendentemente novo? Pois Memórias Póstumas é um livro em tudo diverso daquilo que Machado de Assis já havia escrito antes e, mais ainda, diferente de tudo aquilo que qualquer escritor brasileiro houvera escrito até então. Desde a temática (a história de um defunto-autor que decide, depois de falecido, contar a sua trajetória neste mundo), até a forma, deixando de narrar em 3ª pessoa para entregar a um narrador em 1ª pessoa os rumos da história. Além da quase perfeição estilística que é alcançada. Digo quase porque a perfeição total veio em seguida, quando apareceu Dom Casmurro, em 1900. Sobre essa mudança, Roberto Schwarz, importante estudioso da obra machadiana, expôs uma teoria importante: a prosa machadiana teria mudado radicalmente porque seu autor teria passado a transmitir a ela todas as relações sociais (e os rápidas transformações por estas sofridas) encontradas no Brasil do final do século XIX, em que escravidão e a monarquia chegaram ao fim e a república dava seus primeiros passos. Veja o narrador, Betinho, por exemplo. O que ele é, senão um estereótipo do moço perfeito e bem quisto das elites proprietárias brasileiras? Apesar de todas as arbitrariedades por ele cometidas contra Capitu e Ezequiel, podemos constatar que a todo momento ele quer se afirmar como civilizado, como pertencente à uma elite cultora de bons valores morais. Há ainda a exploração, no livro, de uma questão muito batida por Machado de Assis: a dos agregados, daquelas pessoas que, desprovidos de bens materiais, escoram-se naqueles que os possuem para subir e conquistar algum prestígio dentro da sociedade. E aí entra, como prova, a questão de mudança de perspectiva narrativa, pois se nós observarmos outros personagens agregados ou subservientes às eles presentes nos romances da primeira fase machadiana – que são narrados em 3ª pessoa, ou seja, por alguém ausente fisicamente da trama –, veremos que estes são tratados pelo narrador (em tese, o próprio Machado de Assis) com certa complacência. Ao passo que em Dom Casmurro, essas pessoas são expostas pelo narrador (o próprio Bentinho, e não Machado) como bajuladores e interesseiros. É o caso de José Dias, agregado da família de Bentinho e que é descrito como hipócrita e aproveitador; ou de Prima Justina, mulher seca e interesseira e que vive de favor na casa da família (deve-se lembrar que estão são as opiniões do narrador). Tudo isso prova a forte presença das múltiplas relações sociais do Brasil do final do século XIX no romance.
Poderíamos falar nas múltiplas possibilidades de leituras de “Dom Casmurro infinitamente. Os grandes livros são mesmo assim: revelam-nos novidades perenes. E isso é uma benção, pois podemos reler o livro por mil vezes e ao menos mil novidades encontraremos em cada uma delas. O prazer de mergulhar neste que é o maior romance da literatura brasileira paga a pena. E desvendar-lhe os mistérios nos deixa com um saldo ainda maior.
Do Jorge.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Uma tarde, um violão...

A tarde está de um azul tão, mais tão límpido... estou olhando fixamente o céu pela janela, pensando na Natureza, essa mesmo com letra maíuscula, em sua perfeição e em sua beleza. Pensando também que se eu soubesse tocar violão e soubesse cantar, agora eu começaria assim...


Céu, tão grande é o céu
E bandos de nuvens que passam ligeiras
Prá onde elas vão
Ah! eu não sei, não sei
E o vento que fala nas folhas
Contando as histórias
Que são de ninguém
Mas que são minhas
E de você também
Ah! Dindi
Se soubesses do bem que eu te quero
O mundo seria, Dindi, tudo, Dindi
Lindo Dindi
Ah! Dindi
Se um dia você for embora me leva contigo, Dindi
Fica, Dindi, olha Dindi
E as águas deste rio aonde vão eu não sei
A minha vida inteira esperei, esperei
Por você, Dindi
Que é a coisa mais linda que existe
Você não existe, Dindi
Olha, Dindi
Adivinha, Dindi
Deixa, Dindi
Que eu te adore,
Dindi... Dindi

(Tom Jobim)

terça-feira, 8 de abril de 2008

O animal pós-moderno

Pré-pré-pré-observações e apontamentos (mínimos) sobre o romance "O quieto animal da esquina, de João Gilberto Noll:


* Antes de tudo, é necessário questionar: quem é esse narrador obscuro e obcecado? Não possui nome e não possui uma identidade (nominal, cultural, sexual, nada). Em seu âmago, ressoa uma verdade: não sou ninguém.

* O narrador é algum desfocado, "out", descentrado, sem qualquer pretensão de demarcar seu espaço. Nesse sentido, constrói-se um artífício narrativo de identificação: mesmo sem possuir especificamente nenhum dado de subjetividade, o narrador nos faz colarmo-nos a ele. Por outras palavras. O narrador somos, de algum obscuro modo, nós, homens e mulheres pós-modernos.

* A metáfora inical da graxa nas mãos nos revela que há um engodo, há um engodo magistral em nossa época. Esse engodo (a exarcebação do capital, a crudelíssima e urgente globalização econômica) deixou-nos essa marca de graxa, de sujeira e de permanência. No entanto, podemos lavá-la, como faz o narrador no início de sua narrativa. Mas é inútil. Outras marcas surgirão.

* O quieto animal do livro é, ao mesmo tempo, significado e signo. O título se aplica ao personagem e também ao leitor. Também somos nós esse quieto animal. Em quietude (mesmo em meio ao desespero cotidiano) nos entregamos a esse espectro observador. E observamos o mundo. Quietos, em nossa esquina metafórica.

* No romance, não há cenário. Não há paisagem decodificável, embora a cidade de Porto Alegre se deixe entrever. Mas é este um detalhe supérfluo. Tudo poderia se dar em qualquer grande cidade, brasileira ou não.

* Silviano Santiago assevera: "Os tempos pós-modernos são duros e exigentes". Acrescentaria: e fluidos. Não há tempo na narrativa, assim como não há cenário. Nada parece ser o que é. Os locais se sucedem, sem que o leitor se fixe em nenhum deles (pois as personagens não o fazem). A percepção que o narrador tem do espaço também é elástica. Elástica, não. É fluída. Ele está no presente, como quem está no passado e está também no futuro. Todos os tempos se mesclam. Paul Virilio nos lembra que na era pós-moderna, a era tecnológica por excelência, todos os tempos se fundem, ditados pela velocidade do motor (a tecnologia). Este motor suga a personagem a conduz (nos conduz) através de um tempo-pastel. Que se diliu, sem que possamos captá-l0.

* Desse modo, o tempo e a cidade desaparecem.

* E o real, existe? O narrador, observador agudíssimo, "filma" e nos narra tudo o que vê. Mas aqui há uma especificidade: ele não tem qualquer pretensão ao realismo. Quer dizer, o que ele vê não tem nexo. Não se encadeia, numa logicidade. E há lógica em nossos tempos? Vivemos numa era de simulacro (Baudrillard), vivemos num eterno "Matrix". A realidade também pode ser fluída. O real não existel. Deixamos de viver, portanto, na realidade. Como o narrador.

* Diante disso, percebemos que as personagens estão em completo estágio de impotência. Nada podem fazer. Não há nada a fazer. Todos estão em total estado de indiferença. O próprio narrador sente-se impotente. Mesmo dando vazão ao desejo sexual anti-natural que o perpassa (trata-se, diga-se, de um estuprador), ele não sente que realiza algo. Ele é também um indiferente. Não consegue sentir-se influgindo pavor às vítimas. Forma uma família, mas é-lhe indiferente. É aceito no seio de outra (Kurt e Gerda), mas ela logo se desfaz, sem que ele saiba extamente por que. Nem a morte lhe tira da letargia. Ele filme tudo.

* Ele filma tudo como um quieto animal, na esquina de qualquer cidade do mundo. Na esquina da pós-modernidade.




Do Jorge.

domingo, 6 de abril de 2008

DOMINGO DRUMMONDIANO

Domingo é um saco mesmo, lembro muito daquele poeminha do Drummond:


CIDADEZINHA QUALQUER


Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar
Um homem vai devagar
Um cachorro vai devagar
Um burro vai devagar
Devagar... as janelas olham
Eta vida besta, meu Deus.


Abraço,


Do Jorge.

sábado, 5 de abril de 2008

POEMA DO DIA

Poema do dia:

"Dê um rolê"
(Moraes Moreira)

Não se assuste, pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto eles se batem
Dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia
Eu não tenho nadaantes de você ser eu sou
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés
E só tô beijando o rosto de quem dá valor
Pra quem vale mais o gosto do que cem mil réis
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés


(Nota: Ler é maravilhoso, mas ouvir esse texto na voz da Gal é divino)


Do Jorge.

DICA

Pessoas,


Vá lá uma dica interessante de blog: ideiaselivros.zip.net. A dona, Ana, escreve muitíssimo bem e o blog é recheado de idéias interessantes, sempre marcadas pela visão feminia das coisas.

Recado dado.


Abraço,



Do Jorge.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

VIVA CAZUZA



Hoje Cazuza faria 50 anos, se a aids não tivesse ceifado sua vida tão brevemente. Cantor, grande apaixonado pela vida, sobretudo poeta, Cazuza sintetizou em sua metórica trajetória todos os anseios de uma geração que estava pedindo voz e vez, a geração pós-64, a tal geração coca-cola, no dizer do Renato Russo. Ele foi tudo isso e muito mais. Trovador, soube como poucos colocar-se na pele de outros eus para escrever algumas das mais belas letras de amor do nosso cancioneiro. Roqueiro, sem perder a qualidade, explodia em cada show, detonando toda a nossa força e nossa fragilidade, a vontade imensa de participar das coisas que a nossa geração tinha. Digno, soube morrer. Um dos últimos (e antológicos) shows dele começou com uma interpretação emocionada de "Vida louca vida", cujos versos agora ecoam: "Vida louca vida / vida breve / já que eu não posso te levar / quero que você me leve". Cantando com o coração, magro e debilitado, ele deixou que a vida o levasse. Por que ela e ele tinham um pacto. Ele tinha sabido vivê-la, exagerado, intenso e poético, ele tinha sugado tudo dela. Por isso, não lhe dóia que ela agora o sugasse.




Abraço,




Do Jorge.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O pão nosso de cada dia

Sabe, sou fascindo por aquele poema do Oswald, Escapulário", que o Caetano musicou, em "Jóia":

No Pão-de-açúcar
de cada dia
dai-nos, Senhor,
a poesia de cada dia.


Falta, se não tiver. Me sinto incompleto. Fico louco quando não escrevo e quando estou sem tempo para ler poesia (porque as "outras" leituras urgem ao meu redor). Por isso, de vez em quando, quando a angústia me aperta, "rezo" esse poema. E fico em paz.


Do Jorge.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Sobre este blog e otras cositas más...

O nome é sugestivo, mas não é original, confesso já. Trata-se de um verso de "Senhores, sou um poeta", da Nathalia Corrêa, poeta pouco conhecida, mas maravilhosa. E eu o escolhi porque, em primeiro lugar, me identifica como poeta ("sou um poeta"). Por outro lado, sinto também que a poesia é mesmo para comer, metaforicamente, mas é. É, clichezando bastante, alimento para a alma, sofridas ou não. Para as bestinhas e para as profundas. É o meu feijão-com-arroz, a poesia.
Mas não apenas de poesia se falará aqui. Quer dizer, neste espaço cabe tudo. Literatura, música, cinema, pós-modernismo e os líquidos tempos atuais, história, tudo o que povoa a minha cabeça e que, às vezes, desejo pôr para fora. Externalizar, enfim. A minha fome de tecnologia e a minha fome de poesia, tudo junto, num caldeirão, que é como eu vejo o mundo. Por isso, aqui cabe tudo. Tudo o que for interessante. Tudo o que for inteligente. Tudo o que for belo. Tudo o que for poesia. E tudo o que for para comer.

Abraço,

Do Jorge.