sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tomas Tranströmer



Olá!



O Prêmio Nobel de Literatura, anunciado ontem pela Academia Sueca, foi concedido ao poeta sueco Tomas Tranströmer, "porque, por meio de suas imagens condensadas e translúcidas, ele nos dá novo acesso à realidade", conforme comunicado oficial da instituição. Mesmo que alguns considerem a escolha uma espécie de provincianismo por parte dos suecos (e vejam que Tranströmer é o quinto patrício a receber o prêmio, depois de Selma Largelöf, Erik Axel Karlfedt, Eviynd Johnson e Harry Martinson), a escolha foi acertada. Pelo pouco que pude ler desde ontem, fuçando traduções feitas aqui e em Portugal (Tranströmer não possui nenhum livro inteiro traduzido no Brasil), sua poesia é concisa (o que é uma virtude rara em poetas contemporâneos) e rica em metáforas sobre os sonhos, a natureza e a morte.



Tomas Tranströmer, que está impedido de falar desde 1990, por conta de um AVC, era um "eterno candidato" ao prêmio e sua láurea é, antes de mais nada, um ato de justiça por parte da Academia. Ao menos, não se premiou um autor pífio ou cuja obra é deveras idiossincrática, como no caso de Elfriede Jelinek. Dessa forma, mesmo que autores como Philip Roth, Claudio Magris e Ismail Kadaré, alguns dos meus preferidos, tenham sido postos de lado este ano, fiquei contante com a escolha de seu nome para o Nobel.



De tudo o que li desde ontem, escolhi um poema publicado na Folha de São Paulo, em sua edição virtual. É uma pequena mostra da poesia de Tranströmer e, além de nos explicar o porquê da escolha, nos dá uma imensa vontade de ler a obra desse grande poeta sueco. A tradução é de Marta Manhães de Andrade:



POEMAS HAIKAIS



Os fios elétricos

estendidos por onde o frio reina

Ao norte de toda música.



O sol branco

treina correndo solitário para

a montanha azul da morte.



Temos que viver

com a relva pequena

e o riso dos porões.



Agora o sol se deita.

sombras se levantam gigantescas.

Logo logo tudo é sombra.



As orquídeas.

Petroleiros passam deslizando.

É lua cheia.



Fortalezas medievais,

cidades desconhecidas, esfinges frias,

arenas vazias.



As folhas cochicham:

Um javali está tocando órgão.

E os sinos batem.



E a noite se desloca

de leste para oeste

na velocidade da lua.



Duas libélulas

agarradas uma na outra

passam e se vão.



Presença de Deus.

No túnel do canto do pássaro

uma porta fechada se abre.



Carvalhos e a lua.

Luz e imagem de estrelas salientes.

O mar gelado.





Do Jorge.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Prêmio Nobel de Literatura




Olá!




Está outra vez aberta a caça ao Nobel de Literatura. Como todos os anos, espero com avidez o anúncio da Academia Sueca e, agora, com a facilidade da internet, posso acompanhar ao vivo o momento em que a enorme porta branca de madeira maciça se abrirá para deixar passar o secretário-geral, que proferirá a famosa frase, "O Prêmio Nobel de Literatura de 2011 foi atribuído a...". E também, como em todos os anos, tenho os meus preferidos.


No ano passado, fiquei feliz com a escolha do Vargas Llosa (havia até apostado nele em 2009, como prova um post aqui do blog). Em 2011, penso que bem poderia se fazer justiça à literatura americana contemporânea. De fato, há muito preconceito contra o que se escreve na América - e, de certo modo, um preconceito justificado. No entanto, há autores fabulosos nos EUA que merecem o Nobel. São meus eternos candidatos Joyce Carol Oates, Cormac McCarthy e Philip Roth. A escolha de qualquer um deles me deixaria contente.


Outro nome que bem poderia sair este ano é o do albanês Ismail Kadaré. Recentemente li seu romance "Uma história de loucura" e só posso dizer que é brilhante. No Brasil, Kadaré ficou conhecido após a adaptação cinematográfica de "Abril despedaçado", outro romance genial desse universal escritor da pequena Albânia. Ainda em solo europeu, falemos também de como seria bom premiar de uma vez por todas Milan Kundera ou Claudio Magris, que já passaram da hora de verem seus nomes reconhecidos pelos suecos.


Outra vez, o Brasil é uma possibilidade remota. Chico Buarque, me parece, figura na lista dos autores cotados, mas acho pouco provável - e, se ganhasse, acharia uma escolha errada. Talvez a autora brasileira com maiores possibilidades de abocanhar o Nobel seria Nélida Piñon, que ganhou o Prêmio Príncipe de Astúrias e tem uma certa projeção lá fora, sobretudo na Espanha. Mas penso mesmo ser remotíssima a possibilidade do prêmio sair para estas bandas. Afinal, Jorge Amado e João Cabral de Melo Neto estão mortos...


Agora, resta esperar pela decisão dos suecos, que deve ser anunciada em 06 de outubro. E torcer para que ela faça justiça ao seu laureado, ao menos. Isso porque as decepções também fazem parte do prêmio. Lembremos das desastrosas escolhas de Dario Fo, Elfriede Jelinek ou Gao Xingian, autores pífios e incompatíveis com o Nobel. Espero que em 2011 o prêmio reconheça um autor realmente grande, cuja literatura ultrapasse fronteiras e que faça mesmo jus ao título de "universal".






Do Jorge.

domingo, 4 de setembro de 2011

É isto um homem?




Olá!





Nunca acreditei que o escritor Primo Levi tenha se suicidado, ao cair no vão da escada de sua casa, em 1987. Simplesmente porque não posso imaginar um homem que, tendo sobrevivido ao campo de Auschwitz e, mais, tenha tido a coragem de reviver durante toda uma vida essa tenebrosa experiência através de seus livros, tenha sido capaz de dar cabo à própria vida na velhice. Penso sempre num acidente, num irônico acidente, nada mais.

Sempre fui fascinado pela literatura de testemunho, sobretudo aquela referente ao Holocausto. Em parte por conta da minha afinidade com a História, pela própria natureza do meu trabalho. E em parte porque penso ser necessário revivê-lo para que nunca mais se repita aquele horror. Dessa forma, ler sobre o sofrimento do povo judeu durante a Segunda Guerra me torna mais humano, me põe nu diante da minha sempre falha natureza, me mostra o quão pequeno sou e quão insignificantes são meus "sofrimentos" diante daquele. E talvez ninguém tenha escrito com tanta maestria sobre o Holocausto do que Primo Levi, esse judeu italiano que, tendo ido lutar contra os nazistas no movimento de libertação da Itália, "Giustizia e Libertà", acabou detido pelas milicias fiéis à Mussolini e, descoberta sua origem judaica, acabou deportado para Auschwitz. E ao qual sobreviveu, sendo libertado pelas tropas soviéticas em janeiro de 1945, meses antes do fim da guerra.

A experiência naquele que é considerado o mais cruel dos campos de concentração nazistas pautou toda a literatura de Levi. São fundamentais livros como "Afogados e sobreviventes" e "A trégua", por exemplo. Porém, seu relato mais contundente está em "É isto um homem?", um romance narrado em primeira pessoa (é a voz do próprio Levi que se esconde por trás do narrador) e que trata do cotidiano em Auschwitz. O escritor fala dos pesados trabalhos aos quais eram submetidos os prisioneiros, da forma desumana com que os guardas alemães e a SS Nazista os tratavam, da cruel experiência da fome, da banalidade da morte e do mal. Tudo isto é já lugar comum, certo. No entanto, nas mãos de um autor tão brilhante como Primo Levi, o Holocausto é potencializado e revivido. Principalmente porque ele escolhe o caminho da simplicidade narrativa. O que se lê não é um dramático ou grandiloquente relato (embora sejam dramáticas e grandiloquentes as situações vividas num campo de concentração), mas sim uma narrativa nua de artifícios, como se vista pelos olhos de quem, embora viva e sofra o horror do Holocausto, decida pôr de lado a dor e ser fiel aos fatos cotidianos do campo. E, paradoxalmente, essa simplicidade acaba por colocar o leitor frente a frente com o sofrimento das pequenas coisas, com a dor contida em ver homens e mulheres privados do mais básico da vida e, por isso mesmo, essencial.

Além disso, o livro de Levi funciona também como uma advertência, como disse acima. Lembra-nos que é preciso demarcar que isso aconteceu, para que nunca mais aconteça. É preciso reviver para evitar que se viva outra experiência como aquela. Daí a importância da literatura de testemunho: o testemunho como arma contra o mal. Como escreve Levi na abertura do livro, um poema a um só tempo simples e potente, sobre a dor, uma cruel pergunta ao leitor, "É isto um homem?":




É ISTO UM HOMEM?




Vocês que vivem seguros

em suas casas,

vocês que voltando à noite,

encontram comida quente e rostos amigos,

pensem bem se isto é um homem,

que trabalha no meio do barro,

que não conhece paz,

que luta por um pedaço de pão,

que morre por um sim ou por um não.

Pensem bem se isto é um mulher,

sem cabelos e sem nome,

sem mais força para lembrar,

vazios os olhos, frio o ventre,

como um sapo no inverno.

Pensem que isto aconteceu:

eu lhes mando estas palavras.

Gravem-na em seus corações,

estando em casa, andando na rua,

ao deitar, ao levantar,

repitam-na a seus filhos.

Ou, senão, desmorone-se a sua casa,

a doença os torne inválidos,

os seus filhos virem o rosto para não vê-los.




(Primo Levi, 1947)




Do Jorge.

domingo, 21 de agosto de 2011

Saramago e a memória





Olá!




Ando às voltas com os diários de Saramago, publicados sob o título de "Cadernos de Lanzarote". Neles, o autor fala desde banalidades, como a solução encontrada para escurecer o piso da casa, até o processo de redação de seus romances, como "Ensaio sobre a cegueira" e "Todos os nomes". Acompanha-se as viagens do José pelo mundo, visitando feiras literárias, dando conferências, participando de júris de prêmios e recebendo também seus próprios prêmios. Saramago é um observador arguto da realidade e seu olhar cobre importantes acontecimentos da história do final do século XX (os diários foram redigidos entre 1993 e 1997). É com desconfiança que ele vê, por exemplo, os primeiros passos da União Européia ou as políticas culturais do governo Cavaco e Silva, em Portugal. O autor também não poupa seus colegas de pena, fazendo comentários mordazes sobre a inveja que Antonio Tabucchi sente por ter sido Saramago e não ele o autor de "O ano da morte de Ricardo Reis" e a impertinência do brasileiro Autran Dourado em criticar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Por outro lado, no livro fala-se muito dos afetos. A relação de amor com sua esposa Pilar del Río está fartamente documentada (é com doçura que Saramago reconhece que, sem ela, não teria se tornado o homem e o escritor que foi), bem como a amizade com autores (Jorge Amado e Eduardo Lourenço, por exemplo) e pessoas comuns (como os cunhados Jávier e Maria).



Além disso, os seus diários são eivados de reflexões, sobre todos os assuntos possíveis, profundas e tocantes, como apenas o autor português foi capaz de fazer. Por isso, posto aqui um fragmento sobre a memória e suas responsabilidades, elementos importantíssimos e que ocupavam um lugar central nas preocupações do Saramago escritor e também do Saramago homem público. Por um grato acaso, o texto foi escrito em 28 de fevereiro, data do meu aniversário. Boa coincidência, não?



28 de fevereiro de 1994.



"Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir".



(p. 237)




Do Jorge.