domingo, 22 de novembro de 2009

Quem não vive tem medo da morte

Olá!

Em outro momento neste blog já escrevi sobre o Ney Matogrosso, que considero um exemplo de artista completo, seja pela sua bela e rara voz, seja pelas suas ousadas posturas cênicas, que têm, antes de tudo, verdade e lirismo. Nessas últimas semanas o tenho ouvido muito, quase à exaustão, num trabalho de (re)lapidar disco por disco, desde o ousado "Água do céu-pássaro", até o belo "À flor da pele", presentes na caixa Camaleão, que a Universal lançou recentemente, cobrindo o período 1975-1991.

E em meio à sua discografia, me deparei com este que já considero um dos meus discos prediletos, "Quem não vive tem medo da morte". Já me encantei de cara com a capa, mostrando o Ney de cabeça baixa, um chapelão preto cobrindo metade do rosto, o corpo recoberto por uma manta azul. Místico. Aliás, todo o repertório o é. Na contracapa, o Ney explica que as canções foram escolhidas por suas mensagens espirituais, já que naquela época (1988), ele andava às voltas com experiências religiosas e místicas através do culto do Santo Daime. Por isso, canções que fazem referência à transformações radicais ("Um rei"), que falam do despojamento necessário para se encontrar a felicidade ("Felicidade zen"), das mil facetas do existir ("Chavão abre porta grande", de onde foi tirado o verso que nomeia o disco), dos mistérios e desencontros do amor ("Dama do cassino", belíssima), da necessidade de solidão ("Só") ou da amizade ("Caro amigo"). Enfim, um álbum repleto de preciosidades que pouco ou nada tocaram nas rádios, mas que são como um bálsamo em meio à loucura contemporânea. Um disco de um artista em plena fase de auto-conhecimento, como diz a contra-capa.
Como texto do dia, posto a letra de "Um rei", de Celsinho Fonseca e Ronaldo Bastos:


UM REI


Afasta o destino, vai
Se muda do teu lugar
Finge que és ninguém
Disperso na multidão
A mão do destino tem
Mil dedos que não se vê
E lábios que finos são
Algemas para prender um rei

As forças ocultas, sim
São cartas marcadas
Ninhos na solidão
Em fios de alta-tensão
As voltas que o mundo dá
Nas linhas mais retas são
Presságios que vêm do mar
Por ondas incertas que vão te afogar

Tudo que a vida aprontou com você
Deu no que era pra dar
Nunca se pode tentar desfazer
Mas nada se perde em tentar
Círculos falsos, miragens reais
Linhas na palma da mão
Num labirinto de tramas fatais
A indecifrável visão.


Claro que ouvir essa letra na voz do Ney é uma experiência superior à leitura. Tentem encontrar a gravação, acho que no Sonora (Terra) há a obra do Ney completa, pra ouvir. Vale muito a pena. Vale como reflexão, sobre a vida mesmo, essa nossa desconhecida. Afinal, como diz a canção, "nada se perde em tentar".



Do Jorge.

Nenhum comentário: