domingo, 7 de março de 2010

A estrada




Olá!



Alguns livros têm vida própria, creio nisso. No ano passado, em setembro, fui a Vitória para um encontro de professores e, no intervalo do almoço, em vez de comer num restaurante decente, fiz um fast food (coisas de quem mora no interior) e fui dar uma olhada nas livrarias do centro. Numa delas, encontrei alguns livros da Alfaguarra em promoção, acabei comprando três: "Travessia de verão", do Truman Capote, "As benevolentes", de Jonathan Littlel e "A estrada", de Cormac McCarthy. Guardei para o futuro, claro. Naquela época estava envolvido com outra leituras. De lá para cá, entrei em muitas outras, acabei esquecendo os livros na estante, como faço sempre. Até que na quinta-feira passada, meio insone, desci do quarto, bem devagar para não acordar a Mary, e procurei na estante um livro para começar. A lombada vermelha de "A estrada" parecia me chamar. Atendi, claro.

Hoje, estou nas páginas finais. O que posso dizer? Trata-se de um dos melhores livros que me caíram às mãos, o melhor que li em tempos. McCarthy já era meu conhecido do livro "Onde os velhos não têm vez" (que se tornou um belo filme dos irmãos Cohen, oscarizado em 2008). Mas este livro. Este livro é sobejamente melhor que tudo o que o autor americano já escreveu. Na orelha do livro, transcrita do The Times, está a frase: "McCarthy dá voz ao indizível (...), esta é uma arte que assusta e ao mesmo tempo inspira". O romance é de um preciocismo árduo, com cada frase dando a impressão de ter sido exaustivamente lapidada pelo escritor, para estar ali não como apenas uma frase, mas como um dito essencial, uma frase que ilustre o fim dos tempos. Porque este é um romance sobre o fim do mundo. A história é esta, em linhas gerais: após um evento apocalíptico, a Terra está devastada e poucas pessoas ainda restam vivas, lutando pela sobrevivência num planeta que se tornou terrivelmente hostil. Um homem e seu filho tentam a travessia dos Estados Unidos (ou do que restou do país) em direção ao sul, para o mar. Tentam escapar do frio e dos "caras do mal", milícias de homens que, entre outras coisas terríveis, capturam pessoas para devorá-las. Não há comida e o frio é cada vez mais insuportável. Nada resta a estas duas criaturas, além do forte laço que os une: a ideia de família e de amor. O pai ama o filho e o filho ama o pai. Esta constatação é que os mantêm vivos e os ajuda a cruzar mil perigos em busca de alguma espécie de redenção. Que não sabem bem qual é e se virá, enfim.
Deixo aqui um trecho:


"Ele carregara sua carteira até que ela fizesse um buraco nas calças. Então um dia se sentou à beira da estrada e a tirou e examinou seu conteúdo. Algum dinheiro, cartões de crédito. Sua carteira de motorista. Uma fotografia de sua mulher. Espalhou tudo por cima do pavimento. Como cartas de baralho. Arremessou a peça de couro. enegrecida pelo suor, dentro da floresta, e ficou sentado olhando para a fotografia. Então colocou-a sobre a estrada também e se levantou e seguiram em frente." (p. 46)



Neste fim de tarde, antes de retomar o livro, para terminá-lo, paro para agradecer a Cormac McCarthy, por me proporcionar mais esse encontro com a beleza, que só os bons livros podem intermediar. Obrigado, então.



Do Jorge.

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