terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Amor







Olá!



"Amor", de Michael Haneke, é um filme para nunca mais ser revisto, de tão impactante, tão cruel, tão duro e tão incômodo. Tudo isso colocado no bom sentido, entendam. É uma fita para se ver apenas uma vez, porque toda ela ficará na retina, cravada como uma dolorosa cicatriz na pele, que se olhará sempre e se saberá porque está ali. 
A história de "Amor" é simples: Georges e Anne (Jean-Louis Trintignant e a excelente Emmanuelle Riva), professores de música, estão na casa dos oitenta anos e vivem com conforto num amplo apartamento em Paris. Vão à concertos, leem livros, tomam café da manhã calmamente enquanto leem o jornal e comentam as notícias do dia, recebem a visita da filha (também musicista), têm, enfim, uma existência tranquila e serena, como deve ser na velhice. Até que Anne sofre, à mesa do café, um derrame que paralisa seu lado direito, impedindo-a de andar, de tocar piano, de ler... "Amor" começa, de fato, nesse ponto. Porque todo o filme será um duro close na relação entre Georges, velho mas ainda "saudável", e Anne, velha e debilitada. 

Poucas reflexões sobre a velhice e a decrepitude que ela, inevitavelmente traz, são tão poderosas como este filme de Haneke. Talvez "Morangos silvestres", de Ingmar Bergman. Ali, porém, ela é vista de uma forma idílica (claro que há seus dissabores e desilusões). Em "Amor", não. Não há qualquer leveza, qualquer ilusão em relação ao fato de que sim, ficaremos velhos e que envelhecer é uma coisa horrível. Haneke não se poupa em filmar situações cruéis, como a dificuldade de Anne em usar o banheiro, as sessões de fisioterapia (e sua perna magra e enrugada, incapaz de se mover), a enfermeira, bruta e profissional, virando-a na cama, como um fardo qualquer. Uma cena é particularmente chocante. Um dia, ao acordar, Anne descobre que perdeu totalmente controle sobre o corpo e urinou na cama. Georges, tentando tranquilizá-la, a põe na cadeira de rodas e retira os lençóis. Num choro convulso, Anne sai tonta pelo apartamento, manejando a cadeira automática, que vai batendo pelas paredes, como se ela quisesse escapar. O que é impossível, duplamente: escapar do apartamento (porque, ambos prometeram, não irão ao hospital, nunca) e do corpo que definha. Ela está presa. Também Georges está preso. Ela, à doença. Ele, a ela. 

"Amor" é um título dúbio para este filme, intencionalmente dúbio. A rudeza que é exposta, sobretudo no chocante final (que, de certo modo, se prevê durante todo o filme) não combina com o amor, esse sentimento que julgamos tão doce e tão sereno. No filme, isso passa ao largo. O que se vê, paradoxalmente, é o outro lado do amor, o seu avesso. Aquele que suporta o insuportável, que sustenta, mesmo que à duríssimas penas, uma situação como essa, insustentável. O estoicismo de Georges ao cuidar de Anne, de cantar com ela (mesmo sabendo que ela não está mais ali), de mostrar para a filha que, sim, está tudo bem é, a seu modo, uma forma de amor. Um modo de dizer que, mesmo que Anne perca qualquer noção de identidade, ele a ama. E talvez seja este o mais duro amor.




Do Jorge.

Nenhum comentário: