terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mário e Manuel






Olá!



Falando em cartas (vide post anterior), dois grandes amigos por cartas foram os poetas modernistas Mário de Andrade e Manuel Baneira. O primeiro era um carteador inveterado. O segundo não era tão afeito assim a escrevê-las. Mas os dois travaram uma correspondência que durou de 1922 até a morte de Mário, em 1945. Viram-se pouquíssimas vezes na vida, mas trocaram centenas de cartas. Ao vivo, contidos, calados e cheios de cerimônia. Nas cartas, confissões, críticas e declarações de apreço e amizade. A correspondência dos dois está publicada numa bem cuidada edição da Edusp, que saiu no início dos anos 2000. Vale muito a pena lê-la, seja como documento histórico-literário (a história do modernismo está escrita ali e por seus realizadores), seja como documento humano (a história de uma sólida amizade também está escrita ali).


Mas o objetivo desse post não é falar outra vez sobre cartas. Tampouco sobre os dois poetas. É que vi agora que no texto anterior faltou o poema do dia. Aí logo me veio, como numa revelação, o poema que Manuel Bandeira escreveu quando soube que o amigo Mário de Andrade tinha morrido. É comovente, lógico, porque tem essa coisa trágica da perda. Mas é também um exemplo da melhor poesia moderna brasileira. Cabe aqui como texto do dia:




A MÁRIO DE ANDRADE AUSENTE



Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.

Mas agora não sinto a sua falta.
(É semrpe assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se.
Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

(Manuel Bandeira, 1945)



Lindo, não?


Do Jorge.



P.S.: Nas fotos, Mário de Andrade (acima) e Manuel Bandeira (abaixo).

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