terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cartear


Olá!



Com a invenção do e-mail, a arte de cartear ficou cada vez mais rara. Por cartear, entenda-se escrever cartas. Hoje, ninguém mais se comunica com o outro através de cartas. É bem verdade que o telefone, essa coisa às vezes irritante que Grahan Bell inventou há quase 150 anos, facilitou muito a comunicação entre as pessoas. Quando a saudade aperta, basta discar um número e a voz do objeto da saudade surge luminosa do outro lado da linha (que agora não é mais linha, mas ondas via satélite). Mas ainda assim o hábito de cartas perdurava, pelo menos até uma década atrás. Digo isto porque já fui um grande carteador e, embora não seja mais tão moço assim, sou um sujeito-que-escreve a partir dos anos 90. Lembro de alguns amigos de correspondência, quem não teve um? Havia uma revista muito popular na minha adolescência, chamada "Alô mundo", não sei se ainda existe. No final da revista, lembro que havia vários endereços de pessoas que se abriam a uma, digamos, amizade por escrito. Nesse época, tive vários correspondentes. Lembro de uma garota, chamada Andréa, do Rio de Janeiro (lembro que morava na Ilha do Governador). Tenho ainda várias cartas dela embaladas numa caixa, junto com outras cartas, cartões e bilhetes. Devo dizer que nunca nos vimos. Se não, falávamos sobre o que? Ora, sobre tudo. Banalidades como o cardápio da minha festa de aniversário de 13 anos ou então sobre um fim de semana em Cabo Frio, que ela e a avó (lembro que morava com a avó e um irmão que ela dizia ser uma peste) curtiram e que ficou perdido no tempo. Coisas assim. Como ela, tive outros amigos por correspondência. Sempre o mesmo esquema: nunca nos víamos, sempre nos falávamos.

Mas o e-mail. O e-mail e também as redes sociais acabaram com esse ritual, o de pegar um papel e escrever para alguém. Depois por a carta no correio (lembro que escrevíamos "Carta social" no verso do envelope, porque o selo era mais barato!) e imaginar a outra pessoa recebendo. Esperar a resposta também, porque tão bom quanto escrever é receber uma carta. É um acontecimento! Hoje, o imediatismo rege tudo. Então, se se quer falar, posta-se um recado no orkut ou facebook, ou então um rápido e formal e-mail. Pode até ser informal, mas tem sempre aquele tom, "Olá, como vai? Saudades de você. Abraço. Fulano", essa coisa acéptica, limpa demais. Ninguém se derrama num e-mail ou num recado desses, até mesmo porque a resposta nem chega a ser curtida ou esperada. Quase instanteamente o outro responde, "Oi, vou bem. Saudades também, Fulano". Não há mistério. Não há espera nem há tensão. Não há magia nenhuma. O que é uma pena, é verdade. Pena que o verbo cartear hoje não seja mais sinônimo de escrever cartas, mas logo faça pensar em algum viciado em jogo de cartas.



Do Jorge.

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