quinta-feira, 4 de novembro de 2010

No mínimo, poeta


Olá!




José Paulo Paes, falecido em 1998, foi um dos grandes poetas brasileiros. Muito mais conhecido do público leitor por suas traduções maravilhosas (lembrem-se que foi ele quem traduziu "Tristan Shandy", de Lawrence Sterne, e o magnífico "Declínio e queda do império romando", de Gibbons, além de antologias de poetas gregos e finlandeses, vertidos diretamente do original), a poética de Paes é pouco lembrada. O que é uma verdadeira pena, já que ele era um dos nomes altos da poesia brasileira contemporânea. Nele encontramos de tudo: humor, como em "Descartes ou O suicida às avessas" (Cogito / ergo / pum!"), ironia, como em "Saldo" (a torneira fechada, / mas pior: / a falta de sede), referências literárias, como em "Ítaca" (Na gaiola do amor / não cabem as asas do condor. / Penélopes? Cefaléias! / Quanta saudade, odisséias...)... na poesia de Paes tudo cabe, já que ele era um homem de vasta cultura e também que amava a vida. E não há para um poeta, sejamos sinceros, cunluio melhor do que este, a arte e a vida.

O curioso é que o próprio Paes tinha certa aversão ao título de poeta. Ao menos, não o considerava pomposo. Certa vez, disse que se Manuel Bandeira (que é para muitos o maior poeta do modernismo brasileiro) se considerava um poeta menor, o que dizer de si mesmo? Um poeta mínimo! No entanto, digo, como disse o crítico Davi Arriguci, que José Paulo Paes era, no mínimo, poeta. E um grande poeta.

Eis um exemplo, que aqui vai fechando o post, o do dia:


AOS ÓCULOS


Só fingem que põem
o mundo ao alcance
de meus olhos míopes.


Na verdade, me exilam
dele com filtrar-lhe
a menor imagem.


Já não vejo as coisas
como são: vejo-as como eles querem
que as veja.


Logo, são eles que vêem,
não eu que, mesmo cônscio
do logro, lhes sou grato


por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.

(In: "Prosas, seguidas de Odes mínimas", 1992).




Do Jorge.




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