segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Consolo




Olá,






Já disse isso aqui, mas sempre que preciso de algum consolo, procuro Adélia Prado. Ah, como respiro melhor passando os olhos pelas páginas do meu ensebado Poesia reunida, comprado numa tarde chuvosa de julho, numa pequena livraria na Praça da Sé - e que, se um dia perder todos os meus livros, será o que mais falta me fará. Deparar-me com coisas do tipo "Nós não somos capazes da verdade, / os antinaturais por natureza" ou "A poesia é pura compaixão" é receber uma generosa lufada de ar bem no meio da cara, uma espécie de sobrevida, uma luz salvífica mesmo.



Se não eu, ao menos a tarde foi salva. Pela Adélia e por sua tão pura beleza. Por isso, deixa-me compartilhá-la, passar a tocha adiante:






EM PORTUGUÊS


Aranha, cortiça, pérola

e mais quatro que não falo
são palavras perfeitas.
Morrer é inexcedível.
Deus não tem peso algum.
Borboleta é atelobrob,
um sabão no tacho fervendo.
Tomara estas estranhezas
sejam psicologismos,
corruptelas devidas
ao pecado original.
Palavras, quero-as antes como coisas.
Minha cabeça se cansa
                         neste discurso infeliz.
Jonathan me falou:
           ‘Já tomou seu iogurte?’
Que doçura cobriu-me, que conforto!
As línguas são imperfeitas
                       pra que os poemas existam
e eu pergunte donde vêm
                os insetos alados e este afeto,
seu braço roçando o meu.

(Adélia Prado, Poesia reunida, p. 380)


Do Jorge.

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