quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Um poderoso nome



Olá,



Esta é a época do ano em que me lembro dele com mais frequência, embora ele esteja comigo desde sempre, desde quando o conheci por seus textos. Falo de Ferreira Gullar, esse extraordinário (porque nesse caso os adjetivos são sempre insuficientes) poeta brasileiro e que, há anos, é minha aposta (talvez correto seria dizer desejo) para o Prêmio Nobel de Literatura, que será anunciado em Estocolmo daqui a 29 dias. 

Estamos na época das apostas e, como já é de lei, dou uma bisbilhotada diária no site londrino Ladbrokes, onde hoje, 10 de setembro (e, coincidentemente aniversário de Gullar), o nome do romancista japonês Haruki Murakami encabeça a lista de favoritos ao Nobel, aliás como nos últimos três anos. O nome do poeta brasileiro não consta na lista, ainda. Na verdade, ele costuma aparecer nas últimas semanas que antecedem ao prêmio (no ano passado, só apareceu no finzinho do páreo). De toda forma, ele é sempre considerado um dos possíveis vencedores. E se recebesse o Nobel, seria mais que merecido. Se o recebesse, na verdade, seria um grande justiça para a literatura do Brasil, preterida desde sempre - lembremos que João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima e Autran Dourado, outros nomes já cogitados pela Academia Sueca, se foram sem o prêmio.

Mas, sobretudo, se o recebesse, seria o reconhecimento de uma das maiores dicções poéticas da América Latina (que nada!, de atualidade mesmo). Não sou um estudioso do Gullar, preciso dizer, sou apenas um leitor fiel. Não tenho juízos críticos, elucubrações teóricas ou qualquer coisa que o valha para classificar sua poesia. Quer dizer, até tenho, mas eles são tão contaminadas pelo tamanho apreço (amor, por que não?) que tenho por seus poemas, que não é nem justo expressá-los. Por isso fico com esta justificativa para a atribuição do prêmio: ele é mesmo muito bom poeta!

E como hoje pensei nele (e como hoje ele faz 84 anos), nada mais apropriado que saudá-lo em nome da beleza, felicitá-lo e torcer para que essa mesma beleza convença por fim os suecos, fazendo-nos ouvir em 09 de outubro próximo, no salão da Bolsa de Valores de Estocolmo, seu poderoso nome.



QUESTÃO PESSOAL


Não interessa
a ninguém
(talvez)
isso
de que já falei
que o poema se nega
a ser poema.
Não interessa
talvez
porque se a poesia
é universal
o poema é
uma questão pessoal
(de mim comigo
de voz comigo
de voz
que não quer voar
não quer
saltar
acima
do rio escuro,
prateada!)
essa palavra avesso esse
verso
espesso mais que pêlo
essa pele-
palavra
que envolve a voz
e voa ao revés
tão rente a meu corpo
feito um sopro –
o poema
que em si mesmo se solve
(em seu mel).


(Ferreira Gullar, Barulhos, 1987, p. 57-58)



Do Jorge.


Nenhum comentário: