segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Livro



Olá,


"Eu fiz um livro, mas oh, meu Deus, / não perdi a poesia", escreveu Adélia Prado num poema de seu primeiro livro, Bagagem, de 1976. Aliás, o exemplo de Adélia (nisso e em muitas outras coisas) sempre me vem quando penso no poeta que começa. Começa não, porque não há estreia no verso ("Onde será que isso começa?", ô Caetano, ah, as referências...). O quero dizer é que a poeta de Divinópolis é sempre um exemplo do que chamo de "paciência poética". Saber esperar, enfim. Porque quando Bagagem apareceu, Adélia tinha já quarenta anos. Nessa altura da vida, todo mundo perguntava, "Quando vai sair um livro?", "Você não escreve, cadê seu livro?", "Os poemas saem ou não saem?", e coisas do gênero. Porque todo mundo sabia que ela escrevia, mas ela sabia mais que os outros que não escrevia ainda. Que o que saía da pena (essa tão arcaica quanto irresistível imagem) não era ela. Era imitação, aliás como os primeiros textos de todos nós que tenteamos esse ofício (e como a própria Adélia diria tempos depois, num outro poema: "O jovem poeta, fedendo a suicídio e glória, / rouba de todos nós e nem assina"). Até que começaram a aparecer uns poemas que não se pareciam com ninguém. Que não eram a cara de drummond-bandeira-cabral-vinícius. Que pareciam saídos de um outro lugar ainda não conhecido. Esses poemas eram dela!, deu-se assim a descoberta. E saiu o livro. E a poeta, talvez agora posso dizer, estreou.

Longe de mim querer ser Adélia Prado (fulminai-o, homem vil e desprezível, recoberto de vaidade, talvez diria ela num poema se soubesse que esse texto manco tenta ligá-la ao que quero dizer). Longe de mim dizer que a minha estreia é de longe a sombra do que foi o aparecimento de Adélia Prado no pedaço que chamamos de nossa literatura. Longe, enfim. Mas, nesta noite em que penso no livro que fiz, os versos dela me vieram via essa coisa tão seletiva quanto cruel chamada memória. Impossível também não pensar que, sim, fiz um livro e que não perdi a poesia. Peço vênia, portanto: o poeta que sou também estreia.

O livro, como muitos já sabem, chama-se Calendário. Quando ele foi selecionado para a publicação, via edital da Secult, fiquei meio besta, pateta mesmo. Não processei a coisa e fui lá assinar papéis, ceder direitos, receber orientações e coisa e tal - e, claro, receber o prêmio que me coube. Depois a coisa foi assentando em mim: Um livro!, era a frase que me vinha de quando em vez, sempre com um sobressalto. Mas aí o tempo serenou a coisa, a burocracia que envolve a edição foi amainando a potência de saber que um livro (um filho) estava por pintar. Até que recebi, semana passada, a prova final e a capa do dito cujo. Daí desabei, claro, não sou de ferro. Tudo isso que escrevi (ao menos tentei, pelo que sempre peço desculpas) aí em riba é um pouco do que venho sentido, nestes dias de setembro: fiz um livro e, como sou grato!, não perdi a poesia.

Como texto do dia, segue um poema meu (outra vênia que peço). Não, não estará em "Calendário" (sabe, tenho que esperar a cria sair para jogá-la na roda). É um dos textos novos, que estou coligindo para um segundo livro, que tem o provisório título de "As graças do corpo". Porque quando se estreia, é difícil parar.

NA ÁGUA DO QUE NÃO SE DISSE

Há diferentes vibrações
na face neutra
da água:
tanto há a límpida
e intacta
superfície da mensagem que encontra
sua igual,
como há a potência
de violentos maremotos
a repercutir o rumor de um braço
que roça o outro – e que se crispa –
ou voz de um silêncio que a tarde
atravessa
ou o gesto incompleto da mão que estanca
no adeus
e que naufraga
nesta mesma água
do que não se disse.
(Jorge Luís Verly Barbosa, 05/09/2014)


Do Jorge.

Post scriptum: A foto, claro, é a capa provisória do livro. Que tal?

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