segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Gal, Dylan e Caetano


Olá!




Hoje pus na vitrola o disco que Gal gravou naqueles loucos idos de 1977, o último de sua fase hippie (depois, ela se transformaria na estrela do showbizz tropical, com álbuns a um só tempo tecnicamente perfeitos e altamente comerciais, como "Fantasia", "Tropical" e "Aquarela do Brasil"): "Caras e bocas". Afinada e festiva, ela começa entoando a faixa-título com o desleixo-cuidado típico dessa fase, a voz de uma cantora que, mesmo vivendo e cantando o desbunde dos 7o, sabe que é dona de uma "nota brilhante de cristal, transparente". E, dali, ela passeia por pérolas como "Tigresa" (intensa), "Solitude" (dolorosa), até "Um favor", de Lupicínio Rodrigues, indicando o caminho que, dali em diante, seguiria: a de eterna intérprete da canção e do coração do Brasil.

Mas o post de hoje não é apenas sobre a Gal. Ela é o mote. Isso porque, em meio a esse disco genial que é "Caras e bocas", há uma canção que, re-ouvida, me conectou (pela milhonésima vez) a dois gênios, que sempre reverencio: Bob Dylan e Caetano Veloso. Gal escolheu, bem no clima do disco, a canção "It's all over now, baby" e pediu uma tradução-adaptação ao seu "muso eterno", Caetano. O resultado? Uma beleza, claro. No disco, soa sublime, combinando intensidade passional, clareza e afinação vocal. Gal vai de nota em nota, lapidando as pepitas de ouro da poesia de Dylan-Caetano, transformando a dor (porque é uma canção sobre o fim do amor) em cristal. Ouvir, como digo sempre, é um prazer difícil de narrar, mas letra, poética, tanto via Dylan, como via Caetano, cabe aqui, como texto do dia, para deliciar os estômagos ávidos de poesia neste fim de dia:



NEGRO AMOR ("It's all over now, baby")


Vá, se mande, junte tudo que você puder levar
Ande tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
Chorando feito fogo à luz do sol
Pois alquimistas já estão no corredor
E não tem mais nada, negro amor
A estrada pra você é um jogo e ainda essência
Junte tudo que você conseguiu por coincidência
E o pintor de rua que anda só
Desenha maluquice em seu lençol
Sob seus pés o céu também rachou
E não tem mais nada, negro amor
Seus marinheiros mareados abandonam o mar
Seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
Seu namorado já vai dando o fora
Levando os cobertores, e agora?
Até o tapete sem você voou
E não tem mais nada, negro amor
As pedras do caminho, deixe para trás
Esqueça os mortos, que eles não levantam mais
O vagabundo esmola pela rua
Vestindo a mesma roupa que foi sua
Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
E não tem mais nada, negro amor

(Bob Dylan / Versão: Caetano Veloso)




Do Jorge.



P.S: A capa original do disco, infelizmente fora de catálogo... mas, procurando aqui e ali, aparece fácil na net...

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