quinta-feira, 24 de abril de 2008

Poema do dia









Olá!





Uma tarde daquelas... azul profundíssimo, o céu de uma limpideza cortante. Dói. A vista e a alma. Amo as tardes, gosto de escrever sobre elas, sobre os estremecimentos que a tarde tem. Pelo menos para mim, elas sempre tiveram. Nas tardes tenhos minhas pequenas epifanias, momentos em que, meio como Santa Teresa de Ávila, tenhos meus êxtases. Quase sempre leio poesia à tarde, escrevo muitas delas também quando ela chega. Mas hoje, passando os olhos por alguns livros aqui em casa, caiu-me nos olhos o "Pequeno oratório do poeta para um anjo", da Neide Archanjo. Tudo ali é lindo. Segue:



PEQUENO ORATÓRIO DO POETA PARA UM ANJO



Era musa
e parecia ser Anjo.
Era musa.


....


Naquela tarde de maio
(ou era junho?)
o Anjo
água escorrendo natural e pura
postou-se à minha frente sorrindo.
E ninguém me ouviria
mesmo se eu gritasse.


....


Era candeia
e parecia ser o lume.
Era a candeia.


...


Nomeio-o
Alma
adequado ao clarão
que traz consigo.


...


Nem distraído
nem remoto
este Anjo
apenas hesitante
entre o bem e o mal
como se um e outro
ele não fora
e assim desapercebido
ora luz ora sombra
passasse por mim.
Em contrapontos.


...


Era quimera
e parecia ser o amor.
Era quimera.


...


Graça flutuante
figurava estar sentado.
A cabeça era magra
coberta de cachos
junquilhos
de onde o sol jorrava.
As asas
mantidas fechadas
tocavam o chão
longas emplumadas
o corpo intangível.


...


Seus olhos
castanhoverdecinzadourados
escarlates me olhavam
como se fossem
desde sempre
a límpida palavra.
Era belo
e assim se apresentava.


...


Era o caule
e parecia ser a flor
Era o caule.


...


Veste-se de blue
e um fio transparente
costura-lhe
asas e costas.


...


Quer ser apenas
azul e belo
como é a paixão.


...


Era flexa
e parecia ser alvo.
Era flexa.


...


O que quer
não me confessa
apenas deita
sobre o poema
e afaga as vestes.
Depois
muito depois
enrolando os caracóis
chora a pátria oculta
hemisférios
alguma tarde de amoras
melodia
perdida na memória.
Que Anjo é este
e a que vem?


...


Era a Beleza
e parecia ser a Beleza.
Era a Beleza.


...


Filho pródigo
abandonou a casa.
De seus vestígios de musa
de seus lampejos de Anjo
brotaram todas as lágrimas.
A dor
incrustada na curva da porta
esperou por muito tempo
a volta.
Depois no rubi deste coração
escreveu seu nome.






Gosto sobretudo do "Era a Beleza / e parecia ser a Beleza. / Era a Beleza". Esse poema (lê-lo) só pode mesmo acontecer numa tarde como essa. Em que a Beleza é, de fato, a Beleza.





Abraço,



Do Jorge.

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