terça-feira, 8 de abril de 2008

O animal pós-moderno

Pré-pré-pré-observações e apontamentos (mínimos) sobre o romance "O quieto animal da esquina, de João Gilberto Noll:


* Antes de tudo, é necessário questionar: quem é esse narrador obscuro e obcecado? Não possui nome e não possui uma identidade (nominal, cultural, sexual, nada). Em seu âmago, ressoa uma verdade: não sou ninguém.

* O narrador é algum desfocado, "out", descentrado, sem qualquer pretensão de demarcar seu espaço. Nesse sentido, constrói-se um artífício narrativo de identificação: mesmo sem possuir especificamente nenhum dado de subjetividade, o narrador nos faz colarmo-nos a ele. Por outras palavras. O narrador somos, de algum obscuro modo, nós, homens e mulheres pós-modernos.

* A metáfora inical da graxa nas mãos nos revela que há um engodo, há um engodo magistral em nossa época. Esse engodo (a exarcebação do capital, a crudelíssima e urgente globalização econômica) deixou-nos essa marca de graxa, de sujeira e de permanência. No entanto, podemos lavá-la, como faz o narrador no início de sua narrativa. Mas é inútil. Outras marcas surgirão.

* O quieto animal do livro é, ao mesmo tempo, significado e signo. O título se aplica ao personagem e também ao leitor. Também somos nós esse quieto animal. Em quietude (mesmo em meio ao desespero cotidiano) nos entregamos a esse espectro observador. E observamos o mundo. Quietos, em nossa esquina metafórica.

* No romance, não há cenário. Não há paisagem decodificável, embora a cidade de Porto Alegre se deixe entrever. Mas é este um detalhe supérfluo. Tudo poderia se dar em qualquer grande cidade, brasileira ou não.

* Silviano Santiago assevera: "Os tempos pós-modernos são duros e exigentes". Acrescentaria: e fluidos. Não há tempo na narrativa, assim como não há cenário. Nada parece ser o que é. Os locais se sucedem, sem que o leitor se fixe em nenhum deles (pois as personagens não o fazem). A percepção que o narrador tem do espaço também é elástica. Elástica, não. É fluída. Ele está no presente, como quem está no passado e está também no futuro. Todos os tempos se mesclam. Paul Virilio nos lembra que na era pós-moderna, a era tecnológica por excelência, todos os tempos se fundem, ditados pela velocidade do motor (a tecnologia). Este motor suga a personagem a conduz (nos conduz) através de um tempo-pastel. Que se diliu, sem que possamos captá-l0.

* Desse modo, o tempo e a cidade desaparecem.

* E o real, existe? O narrador, observador agudíssimo, "filma" e nos narra tudo o que vê. Mas aqui há uma especificidade: ele não tem qualquer pretensão ao realismo. Quer dizer, o que ele vê não tem nexo. Não se encadeia, numa logicidade. E há lógica em nossos tempos? Vivemos numa era de simulacro (Baudrillard), vivemos num eterno "Matrix". A realidade também pode ser fluída. O real não existel. Deixamos de viver, portanto, na realidade. Como o narrador.

* Diante disso, percebemos que as personagens estão em completo estágio de impotência. Nada podem fazer. Não há nada a fazer. Todos estão em total estado de indiferença. O próprio narrador sente-se impotente. Mesmo dando vazão ao desejo sexual anti-natural que o perpassa (trata-se, diga-se, de um estuprador), ele não sente que realiza algo. Ele é também um indiferente. Não consegue sentir-se influgindo pavor às vítimas. Forma uma família, mas é-lhe indiferente. É aceito no seio de outra (Kurt e Gerda), mas ela logo se desfaz, sem que ele saiba extamente por que. Nem a morte lhe tira da letargia. Ele filme tudo.

* Ele filma tudo como um quieto animal, na esquina de qualquer cidade do mundo. Na esquina da pós-modernidade.




Do Jorge.

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