quinta-feira, 17 de abril de 2008

Adélia Prado

Pessoas,




Anda meio sumida a Adélia. Quero dizer, ela deve andar lá pelas bandas de Divinópolis, preparando bolos deliciosos em sua cozinha, falando com os filhos (já grandes, e com netos) naquela voz mansa que só ela tem... deve estar amando o Zé como no dia do primeiro amor. Mas sinto falta dela aqui, no meio de nós, seus leitores. Li há uns anos que iria pintar um livro novo por aí, mas até agora só saudade. Acho Adélia a maior poeta (e estou falando de homens e mulheres) brasileira viva. Falo nela e meus olhos marejam, lembro de uma tarde há muitos anos atrás (eu e meus dezesseis, a flor da flor da juventude, a idade da desrazão) quando, deitado em minha cama, abri o livro, "Bagagem". Meu Deus, que descoberta! Foi um universo que se desabrochou diante de mim, um mundo singelo, pautado pela voz feminina (e eu, que sou homem, aprendi desde então a escutá-la com atenção, a captar a beleza que há nela) e pela mística. Um mundo sensorial, erótico, pleno de riqueza, de filosofia, de Deus e de amor. São aí dez anos de paixão. Incessante. Li toda a obra de Adélia com uma avidez, releio sempre. Aprendi seus versos de cor e às vezes, meio louco, meio solene, recito aqui pela casa, "Quando nasci / um anjo esbelto, / desses que tocam trombeta, anunciou: / vai carregar bandeira!", ou "Um dia/ como vira um navio / para nunca mais / esquecê-lo, / vi um leão de perto". Adélia está sempre comigo. Vivo planejando um dia pegar o carro e ir à Divinópolis, bater na porta dela e só dizer, Adélia, sem você a minha vida seria certamente mais pobre. Por isso, essa saudade agora. Essa falta. Resta-me relê-la. E citá-la. Um poema. O que mais gosto:


DO AMOR


Assim que se é posto à prova,

na cinza do óbvio, quando

atrás de um caminhão vazando

o homem que pediu a sua mão

informa:

'está transportando líquido'.

Podes virar senta se, em silêncio,

pões de modo gentil a mão no joelho dele

ou a rainha do inferno se invectivas:

'claro, se está pingando,

querias que transportasse o que?'

Amar é sofrimento de decantação,

produz ouro em pepitas,

elixires de longa vida,

nasce de seu acre

a árvore da juventudade perpétua.

É como cuidar de um jardim,

de modo quase imoral deleitar-se

com o cheiro forte do esterco,

um cheiro ruim meio bom,

como disse o menino

quanto aos porquinhos no chiqueiro.

É mais que violento o amor.


(Em "Oráculos de maio", 1999)


Abraço,



Do Jorge.

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